Gente, olha só que matéria interessante eu extrai do blog do Luís Nassif.
Enviado por luisnassif, sex, 10/08/2012 - 09:11
Por
Frank
Do Adital
Amigos:
Desde que Caim enlouqueceu e matou Abel sempre
houve humanos que, por uma razão ou outra, perdem a cabeça temporária ou
definitivamente e cometem atos de violência. Durante o primeiro século de nossa
era, o imperador romano Tibério gozava, jogando suas vítimas na ilha de Capri,
no Mediterrâneo. Gilles de Rais, cavalheiro francês aliado de Joana D’Arc, na
Idade Média, um dia, enlouqueceu e acabou assassinando centenas de crianças.
Apenas umas décadas depois, Vlad, o Empalador, na Transilvânia, tinha inúmeros
modos horripilantes de acabar com suas vítimas; o personagem de Drácula foi
inspirado nele.
Em tempos modernos, em quase toda as nações há um
psicopata ou dois que cometem homicídios em massa, por mais estritas que sejam
suas leis em matéria de armas: o demente supremacista branco, cujos atentados
na Noruega cumpriram um ano nesse domingo; o carniceiro do pátio escolar em
Dunblane, Escócia; o assassino da Escola Politécnica de Montreal; o aniquilador
em massa de Erfurt, Alemanha...; a lista parece interminável. E agora o
atirador de Aurora, na sexta-feira passada. Sempre houve pessoas com pouco
juízo e prudência e sempre haverá.
Porém, aqui reside a diferença entre o resto do
mundo e nós: aqui acontecem DUAS Auroras a cada dia de cada ano! Pelo menos 24
estadunidenses morrem a cada dia (de 8 a 9 mil por ano) em mãos de gente
armada, e essa cifra inclui os que perdem a vida em acidentes com armas de fogo
ou os que cometem suicídio com uma. Se contássemos todos, a cifra se
multiplicaria a uns 25 mil.
Isso significa que os Estados Unidos são
responsáveis por mais de 80% de todas as mortes por armas de fogo nos 23 países
mais ricos do mundo combinados. Considerando que as pessoas desses países, como
seres humanos, não são melhores ou piores do que qualquer um de nós, então, por
que nós?
Tanto conservadores quanto liberais nos Estados
Unidos operam com crenças firmes a respeito do "porquê” desse problema. E
a razão pela qual nem uns e nem outros podem encontrar uma solução é porque, de
fato, cada um tem a metade da razão.
A direita crê que os fundadores dessa nação, por
alguma sorte de decreto divino, lhes garantiram o direito absoluto a possuir
tantas armas de fogo quanto desejem. E nos recordam sem cessar que uma arma não
dispara sozinha; que "não são as armas, mas quem mata são as pessoas”.
Claro que sabem que estão cometendo uma
desonestidade intelectual (se é que posso usar essa palavra) ao sustentar tal
coisa acerca da Segunda Emenda porque sabem que as pessoas que escreveram a
Constituição unicamente queriam assegurar-se de que se pudesse convocar com
rapidez uma milícia entre granjeiros e comerciantes em caso de que os
britânicos decidissem regressar e semear um pouco de caos.
Porém, têm a metade da razão quando afirmam que
"as armas não matam: os estadunidenses matam!”. Porque somos os únicos no
primeiro mundo que cometemos crimes em massa. E escutamos estadunidenses de
toda condição aduzir toda classe de razões para não ter que lidar com o que
está por trás de todas essas matanças e atos de violência.
Uns culpam os filmes e os jogos de videogame
violentos. Na última vez em que revisei, os videojogos do Japão são mais
violentos do que os nossos e, no entanto, menos de 20 pessoas ao ano morrem por
armas de fogo naquele país; e em 2006 o total foi de duas pessoas! Outros dirão
que o número de lares destroçados é o que causa tantas mortes. Detesto dar-lhes
essa notícia; porém, na Grã-Bretanha há quase tantos lares desfeitos, com um só
dos pais assumindo o cuidado dos filhos quanto nos EUA; e, no entanto, em
geral, os crimes cometidos lá com armas de fogo são menos de 40 ao ano.
Pessoas como eu dirão que tudo isso é resultado de
ter uma história e uma cultura de homens armados, "índios e vaqueiros”,
"dispara agora e pergunta depois”. E se bem é certo que o genocídio de
indígenas americanos assentou um modelo bastante feio de fundar uma nação, me
parece mais seguro dizer que não somos os únicos com um passado violento ou uma
marca genocida.
Olá, Alemanha! Falo de ti e de tua história, desde
os hunos até os nazistas, todos os que amavam uma boa carnificina (tal qual os
japoneses e os britânicos, que dominaram o mundo por centenas de anos, coisa
que não conseguiram plantando margaridas). E, no entanto, na Alemanha, nação de
80 milhões de habitantes, são cometidos apenas 200 assassinatos com armas de
fogo ao ano.
Assim que esses países (e muitos outros) são iguais
a nós, exceto que aqui mais pessoas acreditam em Deus e vão à Igreja mais do
que em qualquer outra nação ocidental.
Meus compatriotas liberais dirão que se tivéssemos
menos armas de fogo haveria menos mortes por essa causa. E, em termos
matemáticos, seria certo. Se temos menos arsênico na reserva de água, matará
menos gente. Menos de qualquer coisa má –calorias, tabaco, reality shows-
significará menos mortes. E se tivéssemos leis estritas em matéria de armas,
que proibissem as armas automáticas e semiautomáticas e prescrevessem a venda
de grandes magazines capazes de portar milhões de balas, atiradores como o de
Aurora não poderiam matar a tantas pessoas em pouquíssimos minutos.
Porém, também nisso há um problema. Há um montão de
armas no Canadá (a maioria rifles de caça) e, no entanto, a conta de homicídios
é de uns 200 ao ano. De fato, por sua proximidade, a cultura canadense é muito
similar à nossa: as crianças têm os mesmos videojogos, veem os mesmos filmes e
programas de TV; mas, no entanto, não crescem com o desejo de matar uns aos
outros. A Suíça ocupa o terceiro lugar mundial em posse de armas por pessoa;
porém, sua taxa de criminalidade é baixa. Então, por que nós? Formulei essa
pergunta há uma década em meu filme ‘Tiros em Columbine’, e esta semana tive
pouco que dizer porque me parecia ter dito há dez anos o que tinha que dizer; e
acho que não fez muito efeito; exceto ser uma espécie de bola de cristal em
forma de filme.
Naquela época eu disse algo, que repetirei agora:
1. Os estadunidenses somos incrivelmente bons para
matar. Acreditamos em matar como forma de conseguir nossos objetivos. Três
quartos de nossos Estados executam criminosos, apesar de que os Estados que têm
as taxas mais baixas de homicídios são, em geral, os que não aplicam a pena de
morte.
Nossa tendência a matar não é somente histórica (o
assassinato de índios, de escravos e de uns e outros na guerra "civil”): é
nossa forma atual de resolver qualquer coisa que nos inspira medo. É a invasão
como política exterior. Sim, lá estão Iraque e Afeganistão; porém, somos
invasores desde que "conquistamos o oeste selvagem” e agora estamos tão
enganchados que já não sabemos o que invadir (Bin Laden não se escondia no
Afeganistão, mas no Paquistão), nem porque invadir (Saddam não tinha armas de
destruição massiva, nem nada a ver com o 11-S). Enviamos nossas classes pobres
para fazer matanças, e os que não temos um ser querido lá, não perdemos um só
minuto de um só dia em pensar nessa carnificina. E agora, enviamos aviões sem
pilotos para matar (drones), aviões controlados por homens sem rosto em um
luxuoso estúdio com ar condicionado em um subúrbio de Las Vegas. É a loucura!
2. Somos um povo que se assusta com facilidade e é
fácil de ser manipulado pelo medo. De que temos tanto medo, que necessitamos
ter 300 milhões de armas de fogo em nossas casas? Quem vai machucar? Por que a
maior parte dessas armas se encontra nas casas de brancos, nos subúrbios ou no
campo? Talvez, se resolvêssemos nosso problema racial e nosso problema de
pobreza (uma vez mais, somos o número um com maior número de pobres no mundo
industrializado) teria menos pessoas frustradas, atemorizadas e encolerizadas
estendendo a mão para pegar a arma que guardam na gaveta. Talvez, cuidaríamos
mais uns dos outros (aqui vemos um bom exemplo disso).
Isso é o que penso sobre Aurora e sobre o violento
país do qual sou cidadão. Como mencionei, disse tudo nesse filme e se quiserem,
podem assisti-lo e partilhá-lo sem custo com os demais. E o que nos faz falta,
amigos meus, é valor e determinação. Se vocês estão prontos, eu também.
[Tradução do inglês para o espanhol: Jorge Anaya -
Fonte original: jornada.unam.mx,
publicado pela Adital].
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=69447
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