sexta-feira, 5 de setembro de 2008

O menino e a peixeira

O MENINO E A PEIXEIRA

O ar estava quente, mas não insuportável. Aliás, abafado é a palavra correta para descrever aquele dia, agora tão longínquo para mim.

Eu estava ali escondido, em silêncio, suando, a observar aquela cena. Meus olhos brilharam de encantamento e meu coração quase veio à boca de tanta ansiedade com o inusitado espetáculo que se desenrolava à minha frente.

A faca peixeira saiu da bainha fazendo um barulho estranho, como se fosse um piar de ave de rapina procurando sua presa. O brilho de sua lâmina refletiu uma imagem difusa e distorcida do ambiente e, também, o reflexo de quem a empunhava. Então, escutou-se um barulho cortando o ar: zip! Não se ouviu gemido ou grito de dor. Apenas o barulho da peixeira cortando o ar e entrando carne adentro. A faca peixeira, com o impacto, provocou um corte que deixou esguichar o líquido carmim escuro tão essencial à vida. Exalou um cheiro acre de sangue quente, que tomou todo o ambiente.

A lâmina foi retirada quase na mesma velocidade com que entrou. A carne, em vez de contrair-se, fechando a fissura, ao contrário, escancarou-se, fazendo com que o sangue descesse em quantidade maior do que antes. No chão, formou-se uma poça à qual as moscas logo acorreram, vorazes, sequiosas.

Veio outra estocada e a lâmina da faca peixeira entrou certeira, mais fundo, no corte já anteriormente aberto. A faca desceu cortando pra baixo em linha reta, deixando expostas todas as vísceras. A mão, de veias salientes e de calos rijos como pedra, era de um homem velho e trabalhador. A mão deixou a faca peixeira de lado e enfiou-se corte adentro, como um réptil à procura de uma presa na toca, esmagando as entranhas e trazendo pra fora as vísceras ainda quentes. Os miúdos despencaram sobre a poça de sangue de onde agora escorria um pequeno riozinho, espanando as sequiosas moscas que voaram para todos os lados. Excitamento e prazer tomavam conta de mim ao ver tudo aquilo acontecendo como se presenciasse um ritual bárbaro às escondidas.

Depois daquele dia, meu pai nunca mais pode voltar ao trabalho no velho açougue do bairro. O pobre homem teve um derrame que lhe paralisou metade do corpo.

Resignado com o seu estado, convidou-me para ser seu substituto no açougue, mas, para sua surpresa e decepção, eu não aceitei o encargo. Não me perguntem, pois até hoje não sei dizer o porquê de minha recusa, já que eu adorava vê-lo esgarçar músculos e nervos com sua afiada faca peixeira. A minha resposta deixou-o triste, amofinado. A partir daquele dia, meu pai nunca mais falou comigo e decidiu vender o açougue.

Um ano mais tarde, depois de ter fechado o seu estabelecimento, ele faleceu, deixando-me como única herança a sua faca peixeira.

Alguns anos se passaram. Eu decidi correr chão pelo mundo afora. Amei dezenas de mulheres; as putas e não putas. Odiei e me deixei odiar. O meu primeiro trabalho não durou muito. Foi rápido e limpo. O instrumento que escolhi foi a faca peixeira que meu pai me deixou. A propósito, o pagamento foi muito bom, tendo em vista ter sido aquele o meu primeiro serviço.

Resultado disso foi que eu peguei 15 anos de cadeia. Cumpri 13 e, dentro de dois anos, deixarei a casa de detenção para, quem sabe, abrir um negócio. Talvez um açougue, como queria o meu saudoso velho...

6 comentários:

músicas de casamento disse...

oi querido!
saudades de ti.
beijos

Hélio Jorge Cordeiro disse...

Oi, Bárbara, valeu a visitinha!

bjos

Anônimo disse...

Viu Hélinho... ele aprendeu direitinho né!!!! hum... heeheheeh

bjos

Hélio Jorge Cordeiro disse...

Desculpe, Camila, mas não pesquei...??? Quem aprendeu o quê?!

Anônimo disse...

como não pescou querido... a usar a peixeira oras bolas... sacou broto!!!!!!!! hehheehhhehehehehe

bjos

Hélio Jorge Cordeiro disse...

Claro, claro! A gente aprende mais fácil fazer aquilo que mais nos atrai.