quinta-feira, 4 de setembro de 2008

O escritor e o La Bodega


O ESCRITOR E O LA BODEGA

Eram quase sete horas daquela tarde de verão, quando o navio entrou na foz do Itajaí. Eu já estava preparado para desembarcar. Fui para o convés observar a manobra do navio direto pro píer de ancoração. Olhei em volta e vi a cidade se descortinando à minha frente. Pude distinguir, ao longe, uma elevação com antenas e uma edificação parecendo um forte, além, é claro, de uma cruz. Mais adiante, vislumbrei, majestosa, uma linda e iluminada ponte que ligava Itajaí à cidade vizinha, do outro lado do rio, Navegantes.

Não demorou e o navio foi colocado pelos rebocadores em seu devido lugar. Depois dos procedimentos de desembarque, fui apresentado, pelo imediato do navio, a um senhor chamado Carlos Damo, um tipo atarracado, de uns 50 anos, mais ou menos. Ele iria me levar ao hotel. Apresentamo-nos e ele, muito simpático, quis levar a minha bagagem, mas eu não aceitei e agradeci. Fomos direto para um carro estacionado logo na saída da alfândega.

No caminho, Carlos me perguntou se eu não estaria interessado em fazer um programa na noite. – Itajaí é a nossa Las Vegas do Sul! Disse com uma pitada de orgulho. Eu lhe perguntei quais eram as opções que a cidade oferecia e ele saiu me debulhando nomes de bares e restaurantes e boates que nunca mais acabavam. Perguntei se não haveria um lugar onde eu pudesse comer e beber sossegado, ouvindo uma boa musica ambiente e, é claro, sem ser incomodado. Ele pensou, pensou e perguntou qual era a minha profissão. Eu lhe falei que era escritor e que estava querendo conhecer a região, na qual Itajaí se destacava pela diversidade cultural e pela fama de ser um reduto dos artistas. Aí ele não demorou a me falar o nome do lugar: - La Bodega! – disse com entusiasmo e continuou: - O senhor vai gostar! È um lugar muito bacana, mas só se o senhor não for... Como eu posso dizer... Um anti-socialista! – disse ele, esperando minha resposta. Eu então lhe falei que havia gostado do nome do lugar e que não era uma pessoa reacionária. Em seguida, seguimos direto pro hotel.

Finalmente, depois de rodarmos por ruas e avenidas, chegamos. Hotel Gertrude, era o nome. Despedimo-nos e ele ainda disse antes de ir embora: - O senhor vai gostar do La Bodega. O dono é um gente-fina, que é fã das coisas cubanas. - Então é um bar cubano? - perguntei. Ele então disse: - Não, é um bar muito socialista, legal, que agrega todos democraticamente e tem Cuba como referência. Boa noite! Ele se foi e eu fui direto pro balcão fazer o check-in.

Duas horas depois, já trocado, desci e pedi ao gerente do hotel que me desse o endereço do tal La Bodega, o que ele fez de imediato. De posse do endereço, me mandei de taxi até o local, que não era muito longe do hotel.

Demoramos a chegar porque pedi ao taxista para dar um passeio na avenida que beirava o rio Itajaí. Era um cais bem iluminado com pequenas pracinhas a cada 100 metros, onde as pessoas locais passeavam e observavam o rio correndo direto pra sua foz. Pedi ao taxista para dar uma parada em frente ao prédio que parecia ter sido um mercado. Em frente à velha edificação, havia uma praça que dava direto para o rio. Desci e fui até lá. Corria uma brisa gostosa. Um barco do tipo gaiola, daqueles que existem no Mississipi, corria por baixo daquela mesma ponte que já tinha me impressionado na chegada. Achei aquilo uma maravilha e disse pra mim mesmo: - Essa gente é mesmo privilegiada em ter um rio desse porte passando em suas vidas! Ao reparar em seus semblantes, elas pareciam gostar de apreciá-lo. Voltei para o taxi e fomos direto pro La Bodega.

Ao chegar, havia uma pequena movimentação na entrada, nada que pudesse tirar a tranqüilidade aparente do local. Fui entrando. Lá dentro, o ambiente era bem aconchegante. A iluminação, intimista, não incomodava. Havia várias mesas ligadas às paredes com bancos um de frente pro outro, pra duas pessoas cada. Nas paredes, havia painéis do teto ao chão, com imagens da revolução cubana. Pequenos quadros sobre o cotidiano de Cuba enfeitavam as paredes verde-oliva. Lá no fundo, havia um balcão largo, serpenteado por banquinhos altos. Nas prateleiras, garrafas e livros se misturavam numa bibliobar inusitada, onde Neruda e Havana Club eram vizinhos.

Os atendentes, todos de preto, com os aventais estampando a marca do La Bodega, se movimentavam sorridentes. Um deles veio em minha direção: - O senhor quer ficar no balcão ou em uma mesa? - Quero ficar no balcão. Então, ele me guiou até o balcão onde eu escolhi um lugar no canto, próximo aos sanitários. Lá, eu poderia ver o movimento de todo o salão. Ele prontamente chamou o barman, mas antes eu quis saber o seu nome e ele disse que se chamava Seba. Ele era o gerente do lugar. Pediu licença e foi atender um casal numa mesa do salão.

O barman se aproximou e disse: - Seja bem vindo ao La Bodega. Nossa casa é sua casa! Um sorriso discreto meu lhe disse “obrigado” e lhe pedi o cardápio, que estava bem na minha frente e eu não havia visto! Sorri discretamente e o deixei de lado. Pedi um mojito e um prato pra acompanhar, mas que fosse uma sugestão da casa. O barman então me sugeriu pedir um “Porco a Lá Bodega”: pedaços de porco fritos, que, tal qual a picanha, tinham um filete de gordura, com rodelas de banana verde frita e cebola roxa. Eu pensei por uns instantes e, finalmente, dei o “okay” ao pedido. Ele se foi, me deixando a observar o lugar.

Não pude deixar de ouvir a música de fundo que fazia o som ambiente: era Iliades Ochoa cantando “Em Casa de Pedro El Cojo”, seguido depois por Rubén González ao piano com “Pueblo Nuevo”. Quando o mojito chegou, perguntei ao barman se havia charutos ou cigarrilhas. Sabia que o tabaco havia sido banido dos locais públicos e fechados no país, mas quem sabe num pedacinho de Cuba... – Senhor, só vem aqui quem sabe o que fumar significa e os perigos que causa. Assim, o senhor terá que assinar essa comanda, aceitando estar aqui sabendo dos riscos que está correndo. Se o senhor se recusar, infelizmente, não poderemos atendê-lo. Claro que assinei. Ele sorriu e foi buscar uma lista com marcas diversas de charutos e cigarrilhas: havia cubanos e nacionais de todos os tipos. Peguei um charuto cubano chamado Quintero. O moço correu pra acendê-lo. Dei um trago e pude ver que realmente rum, hortelã e charuto combinavam.

O “Porco a La Bodega”, finalmente, chegou e era mesmo uma maravilha. Chamei o Seba, o gerente. Ele veio mais que depressa. Dei parabéns pelo porco e perguntei-lhe se o dono estava. Ele me disse que o mesmo havia ido até Recife visitar a família e só estaria de volta dali a dez dias. A nossa conversa foi interrompida com alguém falando num pequeno tablado de madeira que havia no lado oposto ao meu, avisando que iria começar um sarau literário. Muitos jovens se apresentaram naquela noite com poemas de suas autorias e de autores famosos e, para minha surpresa, declamaram um meu! Permaneci anônimo até ir embora mais tarde, depois de cinco mojitos e de conversar com uma gente cheia de vida e muito inteligente. Apenas revelei ser escritor, para o gerente que me disse que gostaria muito de escrever um livro. Fui o último a sair do lugar e fomos, eu e Seba, pelas ruas de Itajaí até o hotel, onde ele se despediu e foi embora.

Agora, passados alguns anos, acabo de receber, pelos correios, o livro “O escritor e o La Bodega”, autografado pelo gerente e também escritor, Seba.

6 comentários:

Anônimo disse...

interessante escrita... história legal... personagens que se pode encontrar em qualquer esquina né!!! coisas de Hélinho!!!

bjos

Hélio Jorge Cordeiro disse...

É verdade, personagens que podemos encontrar, tanto no futuro como também no passado, Camila.

Anônimo disse...

posso garantir a todos, que essa história tem 95% de chances de se tornar real....parabens Hélio, vc previu o futuro com detalhes...até do prato principal do La Bodega!!!

pedro ( ôrra meu )

Hélio Jorge Cordeiro disse...

Orra, meu! é um prazer inusitado Pedrão tê-lo visitando esse pedaço, meu! Valeu! Gostou do tiragosto? Até lambeu os beiços, né? O povo não perde por esperar, meu!

Ana Rios | Lado B disse...

hélio jorgeeeeeeeeeeeeeeeee... adorei seu blog, claro... não sei pra que o espanto!!! rsss... você é adorável... vou divulgar entre meus amigos... adorei! cheiros

Hélio Jorge Cordeiro disse...

Oi Anavisk! Valeu pela visita, bichinha da peste! Espalha, espalha! rss

beijinhos