sexta-feira, 25 de julho de 2008

Há trinta e tantos anos atrás

Estando em São Paulo, por esses dias, decidi fazer uma visita sentimental. Não era à família, não era aos amigos, era apenas a um lugar em especial.

Hospedado na Avenida Consolação, seria bem fácil chegar ao lugar desejado para tal visita. Assim, decidi seguir pela Paulista até a Rua Pamplona.

A rua não havia mudado muito. A não ser pelas suas árvores frondosas que estavam um pouco desgastadas pelo tempo e, claro, pela poluição da grande metrópole. Desci a rua na direção contrária aos jardins e, finalmente, cheguei onde eu queria: Rua Sílvia.
A pequena Rua Sílvia, que nasce no meio do quarteirão, nos leva até a Praça 14 Bis. Era lá, nesta ruazinha, onde eu trabalhava nos anos 70.

A casinha, construída em meados dos 40, onde funcionava a produtora de filmes comerciais, continuava lá, pintada da mesma cor: branca. Todavia, a rua parecia menor do que naqueles tempos. Essa sensação eu pensei que fosse privilégio apenas de crianças, já que elas têm a tendência a achar tudo grande e quando crescem se certificam de que não era bem assim.

Voltando à casa, eu também constatei que ela havia sim, mudado.
Naquela época, havia um muro baixinho e dois portões de ferro entre colunas. Não havia nada disso agora, apenas uma grade alta e contínua que cercava toda a frente do pequeno bangalô. Sinal dos tempos perigosos de hoje. Mesmo assim, muitas lembranças voltaram à minha mente com aquela visita.

Lembrei de quando eu corria para terminar as minhas tarefas do dia, como por exemplo: levar promissórias nos cartórios do centro da cidade, ou entregar filmes comerciais nas agências de propaganda. Fazia tudo às pressas para ir até uma mercearia que havia - não há mais - na esquina da Rua Dr. Seng, só para ir ter com o meu grande e saudoso amigo e patrão Ronaldo Lucas Ribeiro, ou Racinha, como ele era carinhosamente chamado.

A mercearia pertencia a dois irmãos espanhóis, que agora não consigo lembrar os nomes. Grandes figuras aqueles dois! Sempre educados e generosos pra com os clientes.

Por volta das cinco ou seis horas da tarde, era batata: lá estava Racinha jogando xadrez com um dos irmãos. Os dois postavam-se sentados em dois engradados de cerveja. O dito jogo, tão afeito aos gênios sérios e sem aparentes vícios, era ali acompanhado por cachacinhas, garrafas de cervejas e fatias de mortadelas. Aquilo era mesmo uma beleza!

Decidi descer mais a rua Dr. Seng, para ver se o galpão onde funcionava o estúdio da produtora continuava lá. Qual foi minha decepção quando constatei que o galpão tinha dado lugar a uma construção para acomodar salas comerciais. Que desapontamento o meu!

Retornei meio abatido à Rua Sílvia, mas tentei superar a tristeza olhando no sentido de onde ela começava e me vi trinta e oito anos atrás descendo-a em direção ao trabalho: jovem, magricela, sandálias de couro cru, bem ao estilo nordestino, calça boca de sino e com o indefectível cabelo ala Caetano Veloso, nos tempos da tropicália.

Quantas manhãs eu descia aquela ruazinha, bem cedinho, agüentando um frio que, por incrível que pareça, São Paulo hoje não tem mais. Lá descia eu, trajando roupas típicas de quem saiu de um Recife quente. Uma coisa eu lembro: eu agüentava firme, porém devo confessar que eu agüentava porque tinha a ajuda imprescindível do astro rei, que castigava seu brilho e calor na frente da casa naquela época do ano, todas as manhãs. Ali, eu ficava parte do meu tempo livre, tomando sol tal qual um urubu. Na verdade, não era só eu que ficava quarando, mas boa parte de todos que lá trabalhava. É, fazia mesmo frio na São Paulo daqueles tempos. A prova de que muitas coisas mudaram na paulicéia é que não há mais garoa por lá.

Terminada a sessão nostálgica, eu subi a rua e retornei ao hotel. Ao passar por onde funcionava o Bar Riviera, no fim da Av. Consolação, as memórias daquele lugar se reacenderam vivas. O velho bar, reduto de boêmios e intelectuais daquela época, estava agora de portas cerradas, paredes pichadas e com sua placa da Brahma quebrada. Mesmo assim, lá fui eu viajando no tempo outra vez, para a paulicéia dos anos 70!

2 comentários:

romeu_ribeiro disse...

Hélio,

Ao ler o seu texto, fiz também uma viagem no túnel do tempo. As lembranças são muitas da Rua Silvia e do meu querido pai, Ronaldo "Racinha" Ribeiro. Bons tempos!
Grande Abraço!
Romeu Ribeiro
romeu_ribeiro@terra.com.br

romeu_ribeiro disse...

Hélio,

Ao ler o seu texto, fiz também uma viagem no túnel do tempo. As lembranças são muitas da Rua Silvia e do meu querido pai, Ronaldo "Racinha" Ribeiro. Bons tempos!
Grande Abraço!
Romeu Ribeiro
romeu_ribeiro@terra.com.br