segunda-feira, 24 de março de 2014

Eu hein, Rosa!







































Pessoal, veja que interessante este artigo escrito pelo jornalista Juremir Machado da Silva, no Correio do Povo, sábado passado dia 22 de março no Caderno de Sábado:



A traição brasileira dos intelectuais jornalistas
A colaboração da mídia e dos profissionais de imprensa foi decisiva para o Golpe de 1964
Por Juremir Machado da Silva
Correio do Povo – Caderno de Sábado – 22 de Março de 2014

A mídia, na época dizia-se imprensa, colaborou. Sem ela, dificilmente haveria golpe em 1964. A “intelligentsia” com espaço nos jornais atolou-se no Golpe de Estado por conservadorismo, ignorância, desinformação, ideologia e erro de cálculo. Alguns, engajados ingênuos, imaginavam que podiam manipular os militares para derrubar João Goulart e entregar o poder a Carlos Lacerda, jornalista e governador Guanabara. Outros, afoitos sem engajamento, acreditaram piamente que de um Golpe de Estado poderia nascer uma democracia mais profunda. A intelectualidade jornalística sujou as mãos com tinta ideologizada, sangue da repressão e mentiras.

A lista dos jornalistas e colaboradores colaboracionistas é impressionante: Antônio Callado, que se tornaria um grande escritor e um esquerdista perseguido pela ditadura, Carlos Heitor Cony, hoje na Academia Brasileira de Letras, o primeiro, ainda em abril de 1964, a arrepender-se de ter ajudado a escrever editoriais contra Jango para o Correio da Manhã, os famosos e virulentos “Basta” e “Fora”, no poeta Carlos Drumont de Andrade, autor de croniquetas pateticamente reacionárias, Alberto Dines, chefe de redação do Jornal do Brasil, Otto Lara Resende, Otto Maria Carpeaux...

Quase todos os grandes jornais do epicentro do poder, Rio de Janeiro e São Paulo, colaboraram na preparação da atmosfera necessária à derrubada de João Goulart: Folha de São Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo, Jornal do Brasil, O Dia, Diário de Notícias, Correio da Manhã, Tribuna da Imprensa... A periferia acompanhou o centro. Só a Última Hora resistiu. Por que a imprensa queria derrubar Jango? Porque comprou pronta a ideia, disseminada pela propaganda americana através de organizações montadas no Brasil, como o Ipes e o Ibad, no âmbito da Guerra Fria, de que o Brasil estava prestes a ser engolido pelo comunismo e de que Jango e o mal.

Carlos Lacerda envenenou uma geração com seu ideologismo conservador exacerbado e seu partido político, a União Democrática Nacional, embrião da Arena, braço político do regime militar. Um ex-ajudante de ordens de Juscelino Kubitschek, em livro ainda não publicado, resumiu assim o espírito udenista: “Não se pode aceitar a UDN como um simples partido. Nem todos os seus integrantes são udenistas legítimos, bem como há muito espírito udenista integrando outros partidos. Explico: a UDN deve ser encarada principalmente como estado de espírito. Todo vendilhão da pátria falando em patriotismo; todo desonesto falando em honestidade; todo amoral falando em moralidade; todo ditador falando em democracia; todo mitificador falando sempre em verdade; enfim, todo aquele que fala exatamente o contrário daquilo  que está sentindo ou fazendo está devidamente possuído pelo espírito udenista. Assim, meus caros leitores, quando um udenista de boa estirpe falar em democracia, prepare seu lombo para apanhar. Se falar muito em honestidade, trate de abotoar seus bolsos”.

Alberto Dines, hoje decano dos críticos de mídia, com seu site Observatório da Imprensa, fez do Jornal do Brasil uma trincheira do golpismo. A sua alegria com a derrubada de Jango foi tanta que organizou um livro, “Os Idos de Março e a Queda em Abril”, publicado em 1964 mesmo, para louvar a vitória do novo regime. Depois do AI-5, de 1968, e da censura aos jornais, Dines descobriu-se crítico dos militares. Como paraninfo de uma turma de Jornalismo, fez reparos à ordem ditatorial. O temível Serviço Nacional de Informações (SNI), conforme documento localizado pelo pesquisador Álvaro Larangeira, perdoou o seu deslize e deu-lhe um atestado de bons antecedentes: “ Sempre se manifestou contrário ao regime comunista. Colaborou com o governo revolucionário escrevendo livro sobre a revolução e orientou a feitura de cadernos para difundir objetivos da revolução”. Apesar de seu desabafo sobre a censura, o IPM (Inquérito Policial Militar) “não considerou crime” essa manifestação e passou a borracha no caso: “Não será denunciado”. Dines era homem de confiança com bons serviços prestados aos ditadores.

Como se reescreve a história

A mídia não canta os homens e suas glórias, mas as ideologias e suas razões. Os jornalistas e os jornais que apoiaram o Golpe de 1964 passaram, depois do AI-5 e da censura, a reescrever a própria história. Inventaram-se um papel de resistentes e só falam dos poemas de Camões e das receitas de bolo publicadas pelos jornais Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde nos buracos dos textos censurados pelo regime militar. Não falam dos primeiros tempos. Em 12 de abril de 1964, Júlio de Mesquita Filho, dono do Estadão, publicou sem o menor pudor democrático, o “Roteiro da Revolução”, um plano que ajudara a organizar em 1962 para derrubar João Goulart.

Em 1979, o trabalho de reconstrução do papel da imprensa na história da derrubada de Jango ganhou um capítulo mitificador, o livro, organizado por Thereza Cesário Alvim, “O Golpe de 19664: a imprensa disse não”. Uma seleção de textos publicados depois do arrependimento. O historiador João Amado rebateu prontamente: “A imprensa disse sim”. Um sim ditirâmbico.

Thereza Alvim escolheu mal os textos de Carlos Drummond de Andrade. Ele se revela mais golpista do que resistente: “Não haverá mais jeito para o Brasil? Mas no caso do sr. Goulart a verdade é que ele pediu, reclamou, impôs sua própria deposição. Que fazer quando o servidor-presidente se torna inimigo maior da tranquilidade? Esperar que ele liquide a ordem legal...? Melhor fazer isso por ele. Essa leitura dos fatos feita por Drummond faz pensar que como analista político ele era um grande poeta. Isso remete para uma comparação machista: Jango seria a mulher de minissaia que provoca o estupro.

Antônio Callado aceitou o deprimente papel de crítico, não dos defeitos intelectuais de Jango, mas do seu “defeito” físico, ao qual se refere três vezes em poucas páginas: “ Ao que se sabe, muitos cirurgiões lhe garantiram, através dos anos, que poderiam corrigir o defeito que tem na perna esquerda. Mas o horror à ideia de dor física fez com que Jango jamais considerasse a serio o conselho. Talvez por isso tenha cometido o  seu suicídio indolor na Páscoa”. O Jango de Callado é um bêbado incompetente, eterna estratégia desqualificadora ao alcance da mídia: “Dia 13 de março deste ano, incapaz de suportar por mais tempo o desnível entre o que era e o que devia ser, Jango-Hamlet saiu para o comício. Tomara uma refeição ligeira de manhã, na base do chimarrão, e depois, durante todo o dia, não comeu mais nada. Tinha bebido muita limonada e em seguida uísque (nos dois últimos governos da República esse personagem escocês desempenhou papel macbethiano)”. A maledicência como estilo. Callado condenou Jango por um vício ainda maior: o de aumentar o salário mínimo. Começou na base dos 100%.

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