A Fonte de Fidel
Por Hélio Jorge
Cordeiro
Márcio
apagou as luzes e fechou a porta do escritório atrás de si. Foi pra frente da
porta do elevador. Apertou o botão do painel que de tão usado já estava côncavo.
Um barulho surdo, mas longe, começou a ser ouvido. Parou. A porta se abriu. Márcio
entrou. Aquela musiquinha chata tilintava seca, saindo nos precários alto
falantes do cubículo que exalava um odor de detergente barato. Apertou o botão
do térreo. Ele aproveitou para ajeitar a camisa por dentro da calça. Um
solavanco. A porta se abriu.
Márcio
caminhou por um corredor estreito revestido por um tipo de papel de parede
cujos desenhos dariam náuseas se, neles, fosse fixado o olhar por mais de dois
minutos. Seguiu até a recepção. Boa noite, seu Alencar! - disse se
dirigindo ao porteiro. Boa, seu Márcio! – falou o servente,
com um radinho de pilha grudado na orelha. O Palmeiras está ganhando! – Márcio
deu de ombros, afinal futebol não era bem o seu fraco. Aliás, achava todos os
esportes sem graça. Finalmente, ganhou a rua, mas antes bateu o grande portão
adornado por folhas de parreira e cachos de uvas em ferro retorcidos com
brilhante precisão.
Márcio
seguiu pela rua onde pegaria seu carro, mas ao dobrar a esquina esbarrou com
uma mulher, como um touro atraído pelo vermelho. Aliás, esta era a cor do
vestido dela. Desculpe! - ele exclamou. Desculpe digo eu! - ela balbuciou
ajeitando-se depois do esbarrão. Seus lábios carmim cintilavam com o reflexo da
luz do poste. O rímel negro dava-lhe ares de atriz vampe. Seus olhos diziam
alguma coisa que ele não conseguia decifrar. Ali, sobrava sensualidade, de cima a baixo. Tinha
as ancas largas. Por um momento Márcio se lembrou de sua mãe dizendo O
corpo dessa dona é de mulher parideira! Voltou a observá-la. A mulher
tinha a pele amorenada, o que lhe dava um ar brejeiro, quase rústico. Não tinha
mais que 30 anos.
Márcio
seguiu para o carro que estava perto de onde haviam se esbarrado, mas foi surpreendido
com a mulher lhe chamando: Ei, pra onde você está indo? – seu
chamado era uma mistura de mendicância, mas havia embutido nele um tom de
autoridade tal e qual a de um superior inquirindo um subordinado. Márcio virou-se...
Ela já estava colada ao seu lado. Bem...eu ia pra...Na verdade eu estou indo
tomar um trago num bar que frequento há anos. O barzinho não é muito longe
daqui... Barzinho? Legal! - disse ela olhando-o com um olhar igual ao de
um menino barrigudo chorando por um bombom. Márcio não se conteve e perguntou: Você
que ir até lá, comigo? Claro! Vou sim... Mas... Mas?! Vamos em meu carro. Depois
eu te deixo aqui pra você pegar o seu. Por um instante, passou pela sua
cabeça que aquilo soava como se fosse a sua mãe falando... Ele aceitou e seguiu
para o carro dela.
Ela
entrou, todavia não se preocupou em ajeitar o vestido quando sentou em frente
ao volante de seu Beatle Amarelo. Ele
entrou e fechou aporta com cuidado. Aquela era a primeira vez que Márcio andava
de Beatle. Nossa como ficou interessante o
fusca. Desculpe! As pernas morenas e brilhosas por baixo da meia calça
de nylon acenavam pra ele com um Seja bem vindo ao meu apertadinho Beatle, Márcio.
Ele esboçou um leve sorriso. Vá falando onde fica o bar... – ela
falou esbanjando simpatia. Mais duas quadras. - disse ele sem
pensar muito.
O
carro estacionou quase em frente ao bar. Ela desceu e mais uma vez suas pernas
continuava a lhe chamar. Calma, Márcio!- disse a voz interior
de Márcio. Ele foi ao seu encontro na calçada. Eu nem me apresentei... -
ele disse, enquanto lhe estendia a mão, mas ela em vez de apertá-la, puxou-o pra
si e o beijou na face. A princípio, Márcio ficou meio desconcertado com a iniciativa
dela, mas depois relaxou. Elisa - disse ela. Márcio
– replicou ele.
O
bar era um bar do tipo bistrô. Tinha uma luz ambiente que fazia relaxar o mais
imperativo dos humanos, mas ao mesmo tempo, tinha uma decoração quase exagerada.
Folhas de bananeiras e pequenas palmeiras de plástico, aqui e ali, davam ao
lugar um ar caribenho. Uma música tocava ao fundo. Era convidativa, do tipo
dançante. Que legal! Disse ela, olhando ao redor e sacolejando os ombros.
Eu
gosto muito daqui. Faz as minhas noites parecerem que a vida
vale à pena ser vivida. – disse Márcio dando de cara com Faustino, o garçom,
pernambucano, que sempre lhe atendia. Seu Márcio! Olá, Faustino! Tem uma mesa pra
nós dois lá fora na Fonte de Fidel? Acho que tem sim. Vamos lá! – falou
Márcio, aproveitando pra ter o gostinho de mandar naquele mulherão. Acenou para
ela seguir a sua frente, mostrando cortesia para impressioná-la, enquanto
mirava suas nádegas adernando, pra direita, depois para esquerda.
Faustino
já estava há alguns passos à frente. Ele os conduziu até uma mesinha que ficava
perto de uma fonte d’água, que caia sobre uns pedregulhos recobertos de limo. Uma
escultura encravada na parede de granito de onde jorrava a água, detalhe que criava
um ambiente bem fresco e agradável, tinha a cara de Fidel Castro. A música
agora era audível. Toca uma salsa.
Sentaram
e pediram. Ela pediu Martini. Vodka com gelo ele pediu. Esperam. Faustino
chegou com as bebidas e os deixou, em seguida. Os dois ficaram ali observando a
água sair da boca de Fidel e escorrer sobre as pedras esverdeadas. Bem...Tim-Tim!
Ela aproximou-se, encostou seu cálice no dele. Sempre lhe
admirei? – ela disse com voz melosa, olhando fundo nos olhos dele. Como,
assim?! – perguntou, Márcio, surpreso, pois aquilo prenunciava que ela já
o conhecia de algum lugar. Eu sempre achei você o máximo. Desculpe
perguntar, mas você me conhece de onde? Não importa. Importa? Bem, é que... Deixe
as coisas fluírem, Márcio. Não interrompa quando o universo está em seu
processo de conspiração, principalmente, conspirando a seu favor! Isso é mesmo
muito engraçado. Estou com uma mulher bonita... Obrigada! , ela
interrompeu. ...e nada sei sobre ela, porém ela parece saber sobre mim e mesmo assim,
ela não quer entrar em detalhes sobre isso. Márcio deixou que Elisa levasse
seu joguinho em frente. Não demorou e as doses haviam terminado. Uma nova
rodada foi encomendada para Faustino. E por falar nele, Márcio pediu licença
pra ir ao banheiro. Contudo, ele foi primeiro ao encontro do garçom com a intenção
de perguntar-lhe se ele já havia visto Elisa alguma vez no bar, mas o garçom disse-lhe
que ela nunca havia pintado por ali.
Ele
voltou para mesa e lhe fez uma pergunta que lhe ocorrera enquanto mijava. Você
é solteira? Não, casada, igual a você! – ela disse sorrindo. Porra,
ela sabe que eu sou casado! – pensou, Márcio, assustado. Mas
de onde essa mulher me conhece? - se perguntou mais uma vez, enquanto
ela comentava sobre um assunto qualquer. Casada?! – Márcio não teve tempo de pensar
mais uma vez, pois Elisa logo emendou Sim, aliás, quero lhe apresentar meu marido
Cláudio... Márcio quase caiu da cadeira quando um homenzarrão chegou
por detrás dele. Era um sujeito elegante, do tipo que vai ao melhor alfaiate da cidade. Talvez
tivesse no máximo uns 50 anos. Este é Márcio. Olá Marcio. Cláudio. Prazer...
Márcio não articulava uma frase completa, de tão atarantado que estava com a
presença súbita do marido de Elisa. Por fim, se acalmou. Cláudio pediu licença
para sentar. Estão bebendo o quê? Eu, Martini e Márcio Vodka. - Elisa se adiantou
ao mesmo tempo em que se apressou em chamar o garçom. Ela levou a mão direita para
o alto e logo Faustino, que estava ali por perto, veio depressa em seu socorro:
Uma
dose de Jack Daniels com duas pedras de gelo, por favor. pediu Cláudio.
Sim,
senhor. E antes que Faustino fosse embora com o pedido, Márcio comandou
Uma
dose dupla de vodka, por favor, Faustino! E, mais uma vez, Elisa lhe surpreendeu:
Um
Martini duplo pra mim!
Ficaram
calados por alguns instantes. Cláudio também lhe admira.- disse
Elisa. Porra, até o cara sabe alguma coisa de mim!- Márcio pensou e
depressa agradeceu: Obrigado. Mas, por favor, de onde vocês me conhecem? Com licença. Faustino
os interrompeu, trazendo os drinques. Obrigado, Faustino! - disse Elisa
com um sorrisinho de quem já conhecia o garçom de outros carnavais. O que
porra essa gente quer de mim? – Márcio se perguntou já um tanto impaciente.
Uma
vez por todas... Nem conseguiu articular o resto da frase e Cláudio lhe
tomou pelo pescoço e o beijou na boca! Puta que pariu! – Márcio gritou
abafado pra que ninguém mais o escutasse. Olhou pros lados. Não havia ninguém
prestando atenção a mesa, pelo menos foi o que ele pensou, ou melhor, desejou. O
que significa isso?!- Márcio falou num tom forte, para que soubessem
que ele estava indignado com aquela atitude intempestiva e sem nexo, do marido
de Elisa. Na verdade, ele teve vontade de lhe dar uma porrada, se levantar e
cair fora, mas ele ficou onde estava, só que agora, um pouco mais afastado de
Cláudio que se desculpou. Não suportei esperar. – completou,
antes que Márcio dissesse mais alguma coisa. Elisa se achegou e pegou na mão de
Márcio. Ele relutou, querendo repeli-la, mas ela foi firme e manteve-se segurando
forte. Márcio seja razoável. Somos todos adultos. Na verdade, pensei que você
tivesse olhado para minhas pernas lá no carro, como quem quisesse algo mais
delas... Elisa abriu as pernas e levou a mão dele que ela segurava
firme, até a sua vagina. Elisa estava sem calcinhas. Os dedos de Márcio
umedeceram e escorregaram mais fundo. Isso provocou nele uma ligeira ereção,
mas que logo desapareceu. Isto é mesmo uma loucura... Desculpe,
mas acho que tudo isso é um grande engano. Um erro. Eu não conheço vocês... Elisa
se adiantou Mas nós o conhecemos. Vou ter que ir – Márcio disse nervoso,
mas Cláudio foi mais convincente. Ele colocou a mão no ombro de Márcio quando este
tentou se levantar. Cláudio falou, calmamente Olha, Marcio,
dentro de mais uns três minutos alguém vai chegar aqui e explicar tudo pra você
e então ficaremos todos bem e felizes. Espere só mais um pouquinho. Tá bem? Mais
uma vez, Márcio hesitou em ir embora. Era como se ele estivesse atado a uma
corrente de navio com uma enorme âncora numa ponta e, na outra, o próprio navio.
Que
diabo está fazendo, cara? - Márcio disse pra si mesmo. Baixou a cabeça,
vencido. Ficou assim até sentir uma mão leve no seu ombro. Uma voz feminina o
chamou Marcinho, querido! Marcinho! Márcio levantou a cabeça com
dificuldade e deu de cara com Telminha, sua mulher! Vamos embora pra casa. Você já
bebeu muito por hoje Marcinho ao mesmo tempo em que outra voz dizia Pode
deixar, seu Márcio, a conta, o senhor paga amanhã disse Faustino,
enquanto arrumava as cadeiras em cima das mesas. O bar havia fechado, fazia
horas.
Márcio
levantou-se, mas antes levou os dedos ao nariz. Sorriu. A água continuou fluindo
da Fonte de Fidel e se espalhando por entre os pedregulhos encardidos de limo.
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