Gente dos céus e da terra, contrariando a natureza e os krítikos de pla(n)tão, aqui vai mais uma historinha para aqueles que por um acaso, má sorte ou desígnios de Deus, passem por este blog.
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CORAÇÃO NÃO SE COMPRA EM LOJA
Por Hélio Jorge Cordeiro
Horatio
Lane vestia um sobretudo preto sobre uma camiseta de gola roulé grená. Vez ou outra, ajeitava os cabelos ruivos, açoitados pelo
vento frio que soprava naquela manhã. Tinha os olhos claros, mas tristes. Ele estava sentado num banco do Central Park,
dando comida aos pássaros. O sol brilhava forte o que, de algum modo, amenizava
a frieza daquela manhã típica de Outono em Nova York. Os pássaros iam e vinham,
em pares, comer as migalhas jogadas por Horatio em frente ao banco onde estava
sentado havia um tempo.
Um homem
com bigodes vastos, usando um cachecol xadrez e um par de óculos de aros de
metal, chegou com um jornal embaixo do braço. Sentou-se na outra extremidade do
banco, cruzou as pernas, abriu o diário e começou a lê-lo com interesse.
Horatio
terminou de esvaziar o saco com milho e migalhas de pão, amassou-o e jogou-o na
lixeira de metal próxima ao seu lado do banco. Recostou-se e ficou observando
toda a paisagem ao redor, contemplativo, enquanto o outro homem, ao seu lado, continuava
com a sua leitura.
- A
vida é muito interessante, não é? – disse Horatio, inclinado e com os cotovelos
sobre as coxas e olhando pra frente.
O homem
que lia o jornal deixou-o de lado, olhou ao redor para certificar-se de que era
com ele a conversa que ali se iniciara e deu atenção a Horatio.
- Desculpe?...
– falou o homem que lia o jornal.
- A
vida é interessante, não é mesmo? – repetiu Horatio.
- Oh,
claro, claro que é. – falou o homem, segurando o jornal sobre as pernas.
Horatio
estendeu a mão:
- Horatio Lane, professor de filosofia.
- Oh,
prazer, Rick Turner, corretor de seguros.
- O
senhor acha mesmo isso? – Horatio voltou a perguntar.
- Sim,
eu penso que a vida é interessante, claro. Por exemplo, o senhor aqui
alimentando os pássaros. Eu admiro muito pessoas assim, que gostam da
natureza... Tratam bem os animais... Apesar de ser corretor de seguros – disse Rick
Turner, com um leve sorriso no rosto.
Horatio
riu discretamente e, em seguida, fez-se silêncio. Os dois levaram os olhares
para a paisagem à frente deles, contemplativos.
- Meu querido
pai sempre dizia: Horatio, coração não se compra na loja, mas em outro coração...
– disse Horatio, quebrando o gelo momentâneo que havia se instalado naquele
banco.
- Belo
pensamento. – respondeu RickTurner.
- Mas
eu nunca entendi muito bem o que isso queria dizer... – disse Horatio, com
certo ar de decepção no semblante.
- Verdade?
– exclamou Rick Turner, demonstrando lamentar o fato.
- Sim...
Mas meu irmão dizia que sabia o que significava. – falou Horatio, dirigindo o olhar para bem
longe dali.
- Mesmo?
– falou Rick Turner.
- Mas,
por outro lado, minha mãe me recriminava por eu não entender o significado
desse pensamento. – disse Horatio.
- Você
acha que ela gostava mais de seu irmão, não é? – perguntou Rick Turner,
curioso.
- Não
sei. Não estou bem certo disso. – falou Horatio.
- Você
acha que ele mentia? Dizia que sabia, mas na verdade não sabia? – perguntou Rick
Turner, encostando o jornal de lado, se achegando para perto de seu interlocutor.
- Acho
que sim. – disse Horatio.
- O
que o faz pensar que ele mentia? – arguiu Rick Turner.
- Porque
ele matou pessoas. – disse um tanto constrangido Horatio, enquanto cruzava as
pernas.
- Meu
Deus! – exclamou Rick Turner, deveras surpreso.
- Agora
ele está na cadeia por isso. Pegou 50 anos. – falou Horatio.
- Capaz
de ele sair bem velhinho de lá, ou até nem sobreviva... – disse Rick Turner com
pessimismo.
- Vai
sair com 64 anos. – disse Horatio, afirmativo.
- Só?!
Então, com quantos anos ele matou essas pessoas? – falou Rick Turner, pasmado.
- 14
anos. – disse Horatio, curvando-se e pegando um pedaço de pão próximo aos seus
pés. Horatio joga-o para as aves, mas essas já não estão mais interessadas. Em
vez delas, surgiu um esquilo serelepe que pegou a migalha com as duas patinhas
dianteiras e começou a roer a iguaria, como um francês experimentando um ratatouille na Provence.
- Meu
Deus! – exclamou Rick Turner, ainda pasmado.
- Bom,
vou indo. Prazer, senhor Turnner. – disse Horatio, estendendo a mão ao seu companheiro
de banco.
- Até
logo. Prazer também, senhor Lane. Olhe, eu venho sempre aqui ler meu jornal. A gente
se fala. – disse Rick Turner.
Horatio
sorriu. Levantou-se e saiu. Rick Turner antes de voltar a sua leitura, virou-se
na direção de Horatio mais uma vez e falou:
- Ei, senhor
Lane, acho que o senhor entendeu o que o seu pai quis dizer. – disse Rick
Turner.
Horatio
voltou-se para ele e falou:
- Acho
que entendi, mas foi por sua causa, senhor Turner. Por causa da sua conversa
comigo agora. Obrigado.
- Uma
última coisa... – falou Rick Turner.
- O
que? – perguntou, Horatio Lane.
- E os
seus pais, o que pensam do seu irmão? – falou Rick Turner, numa última tentativa
para entender tão inusitada história.
Horatio,
riu, olhou para a bucólica paisagem ao redor, se aproximou de Rick Turner,
curvou-se e respondeu baixinho:
- Eles
não pensam nada. Meu irmão os matou meu caro senhor Turner.
Horatio
Lane saiu com as mãos dentro dos bolsos do sobretudo, enquanto o esquilo que há
pouco comera a migalha de pão doada por Horatio, tinha tomado o seu lugar no
banco. O roedor parecia lamentar a ida do doador sem ao menos se despedir. Quiçá
tivesse uma tênue certeza de que no dia seguinte ele estaria ali, outra vez, a
alimentá-lo.
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