sexta-feira, 24 de maio de 2013

Coração não se compra ou contrariando os krítikos!



















Gente dos céus e da terra, contrariando a natureza e os krítikos de pla(n)tão, aqui vai mais uma historinha para aqueles que por um acaso, má sorte ou desígnios de Deus, passem  por este blog.

**********************************************

CORAÇÃO NÃO SE COMPRA EM LOJA

Por Hélio Jorge Cordeiro

Horatio Lane vestia um sobretudo preto sobre uma camiseta de gola roulé grená. Vez ou outra, ajeitava os cabelos ruivos, açoitados pelo vento frio que soprava naquela manhã. Tinha os olhos claros, mas tristes. Ele estava sentado num banco do Central Park, dando comida aos pássaros. O sol brilhava forte o que, de algum modo, amenizava a frieza daquela manhã típica de Outono em Nova York. Os pássaros iam e vinham, em pares, comer as migalhas jogadas por Horatio em frente ao banco onde estava sentado havia um tempo.

Um homem com bigodes vastos, usando um cachecol xadrez e um par de óculos de aros de metal, chegou com um jornal embaixo do braço. Sentou-se na outra extremidade do banco, cruzou as pernas, abriu o diário e começou a lê-lo com interesse.

Horatio terminou de esvaziar o saco com milho e migalhas de pão, amassou-o e jogou-o na lixeira de metal próxima ao seu lado do banco. Recostou-se e ficou observando toda a paisagem ao redor, contemplativo, enquanto o outro homem, ao seu lado, continuava com a sua leitura.

- A vida é muito interessante, não é? – disse Horatio, inclinado e com os cotovelos sobre as coxas e olhando pra frente.

O homem que lia o jornal deixou-o de lado, olhou ao redor para certificar-se de que era com ele a conversa que ali se iniciara e deu atenção a Horatio.


- Desculpe?... – falou o homem que lia o jornal.


- A vida é interessante, não é mesmo? – repetiu Horatio.


- Oh, claro, claro que é. – falou o homem, segurando o jornal sobre as pernas.


Horatio estendeu a mão:


 - Horatio Lane, professor de filosofia.


- Oh, prazer, Rick Turner, corretor de seguros.


- O senhor acha mesmo isso? – Horatio voltou a perguntar.


- Sim, eu penso que a vida é interessante, claro. Por exemplo, o senhor aqui alimentando os pássaros. Eu admiro muito pessoas assim, que gostam da natureza... Tratam bem os animais... Apesar de ser corretor de seguros – disse Rick Turner, com um leve sorriso no rosto.

Horatio riu discretamente e, em seguida, fez-se silêncio. Os dois levaram os olhares para a paisagem à frente deles, contemplativos.


- Meu querido pai sempre dizia: Horatio, coração não se compra na loja, mas em outro coração... – disse Horatio, quebrando o gelo momentâneo que havia se instalado naquele banco.

- Belo pensamento. – respondeu RickTurner.


- Mas eu nunca entendi muito bem o que isso queria dizer... – disse Horatio, com certo ar de decepção no semblante.


- Verdade? – exclamou Rick Turner, demonstrando lamentar o fato.


- Sim... Mas meu irmão dizia que sabia o que significava.  – falou Horatio, dirigindo o olhar para bem longe dali.


- Mesmo? – falou Rick Turner.


- Mas, por outro lado, minha mãe me recriminava por eu não entender o significado desse pensamento. – disse Horatio.


- Você acha que ela gostava mais de seu irmão, não é? – perguntou Rick Turner, curioso.


- Não sei. Não estou bem certo disso. – falou Horatio.


- Você acha que ele mentia? Dizia que sabia, mas na verdade não sabia? – perguntou Rick Turner, encostando o jornal de lado, se achegando para perto de seu interlocutor.


- Acho que sim. – disse Horatio.


- O que o faz pensar que ele mentia? – arguiu Rick Turner.


- Porque ele matou pessoas. – disse um tanto constrangido Horatio, enquanto cruzava as pernas.


- Meu Deus! – exclamou Rick Turner, deveras surpreso.


- Agora ele está na cadeia por isso. Pegou 50 anos. – falou Horatio.


- Capaz de ele sair bem velhinho de lá, ou até nem sobreviva... – disse Rick Turner com pessimismo.


- Vai sair com 64 anos. – disse Horatio, afirmativo.


- Só?! Então, com quantos anos ele matou essas pessoas? – falou Rick Turner, pasmado.


- 14 anos. – disse Horatio, curvando-se e pegando um pedaço de pão próximo aos seus pés. Horatio joga-o para as aves, mas essas já não estão mais interessadas. Em vez delas, surgiu um esquilo serelepe que pegou a migalha com as duas patinhas dianteiras e começou a roer a iguaria, como um francês experimentando um ratatouille na Provence.

- Meu Deus! – exclamou Rick Turner, ainda pasmado.


- Bom, vou indo. Prazer, senhor Turnner. – disse Horatio, estendendo a mão ao seu companheiro de banco.


- Até logo. Prazer também, senhor Lane. Olhe, eu venho sempre aqui ler meu jornal. A gente se fala. – disse Rick Turner.

Horatio sorriu. Levantou-se e saiu. Rick Turner antes de voltar a sua leitura, virou-se na direção de Horatio mais uma vez e falou:


- Ei, senhor Lane, acho que o senhor entendeu o que o seu pai quis dizer. – disse Rick Turner.

Horatio voltou-se para ele e falou:



- Acho que entendi, mas foi por sua causa, senhor Turner. Por causa da sua conversa comigo agora. Obrigado.


- Uma última coisa... – falou Rick Turner.


- O que? – perguntou, Horatio Lane.



- E os seus pais, o que pensam do seu irmão? – falou Rick Turner, numa última tentativa para entender tão inusitada história.

Horatio, riu, olhou para a bucólica paisagem ao redor, se aproximou de Rick Turner, curvou-se e respondeu baixinho:

- Eles não pensam nada. Meu irmão os matou meu caro senhor Turner.

Horatio Lane saiu com as mãos dentro dos bolsos do sobretudo, enquanto o esquilo que há pouco comera a migalha de pão doada por Horatio, tinha tomado o seu lugar no banco. O roedor parecia lamentar a ida do doador sem ao menos se despedir. Quiçá tivesse uma tênue certeza de que no dia seguinte ele estaria ali, outra vez, a alimentá-lo.

Nenhum comentário: