domingo, 11 de setembro de 2011

A mulher sem orifício do Chico

Gente, muito interessante a critica escrita por Joana Gouvêa, que encontrei no blog de Luis Nassif e que foi postada por Carlos Souza. Joana é de Juiz de Fora, MG, e defende seu ponto de vista, sobre a música Querido Diário, do novo CD de Chico Buarque e que foi ferozmente exprobrada pelos “críticos” da revista VEJA. Aqui vai a resenha:

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"Querido Diário – Chico e a Mulher sem Orifício: minha singela opinião. Publicado em 10/07/2011 por Joana Gouvêa (http://joanagouvea.wordpress.com/2011/07/10/querido-diario-chico-e-a-mulher-sem-orificio-minha-singela-opiniao/)

A horrenda “Veja caiu de pau no novo CD do Chico, desclassificando o compositor e anunciando sua inexorável decadência artística, eis que ele já não seria mais o mesmo. O velho Chico teria perdido o talento de traduzir as emoções femininas e, para preservar pobremente a rima (olha ela aí!), teria optado por achincalhar a mulher, na sua nova canção “Querido Diário”:

(…) Hoje pensei em ter religião / De alguma ovelha, talvez, fazer sacrifício / Por uma estátua ter adoração / Amar uma mulher sem orifício(…).

As meninas do Saia Justa, exaltadíssimas, revoltadíssimas, tucanéssimas, quase tiveram um ataque. “Como assim, sem orifício? Isso é um absurdo, me senti mal, me senti constrangida. Poxa (assim mesmo: poxa), logo ele… Será que envelheceu, será que perdeu o tom?

A música carro-chefe do próximo CD do Chico, a ser brevemente lançado, a meu ver fala mais é da angústia de viver num mundo tão agressivo. E, nele, ter que conviver entre o ceticismo e a crença, entre o ateísmo e a fé. Crença ou não, fé ou não, no ser humano, no homem – particular ou coletivo, que nos rodeia. E em nós mesmos. E, frente a essa angústia, crença ou não, fé ou não, no transcendente, no sentimento impalpável e obscuro: “(…)dizem pra eu ter muita luz, ficar com Deus / eles têm pena de eu viver sozinho(…)De volta a casa na rua / Recolhi um cão / Que de hora em hora me arranca um pedaço(…)/ Hoje o inimigo feliz veio me espreitar(…)Mas eu não quebro não / Por que sou macio”.

Ora, afora a melodia, típica dele (e que nos conforta pelo sentimento de reencontro) é certo que essa não é, definitivamente, uma canção de amor. Chico não fala do amor romântico ou da mulher amada. Chico elabora sobre a angústia da existência, e faz poesia sobre a necessidade de um refúgio: os deuses. Ou a deusa cristã: Maria. Ou, ainda, qualquer Santa. Alguém que, para além de nosso cotidiano imediato, possamos amar sem intenções, digamos, mais primárias e objetivas. Ou como diriam os homens - nossos homens – intimamente: sem primeiras intenções.

Evidente que amar uma mulher sem orifício – em se tratando de transcendência – é o mesmo que amar um homem sem falo, não?

Ou alguém cogita rezar com um dos olhos sorrateiramente aberto para especular sobre a virilidade da imagem estatuada de Jesus?

Me poupem.

Quanto à rima, a que os homens cheios de Viagra e as mulheres cheias de mágoas se prendem, como se o destino de tudo fosse cair no mesmo buraco, um alerta: Chico continua o mesmo.

Pedro pedreiro penseiro esperando o trem, manhã parece carece de esperar também, para o bem de quem tem, bem de quem não tem vintém, é rima fácil? A princípio sim: pedreiro/penseiro; trem/também; carece/parece; bem/quem/tem/vintém.

Fácil para ele, cara pálida, que possui intencionalidade lírica, e jamais pensaria em soluções simplórias, apenas para finalizar um verso inacabado. Fácil para ele, que dá sentido às palavras – simples ou inusitadas. E as transforma em poesia.

Mas para o Chico, difícil mesmo, impossível até, é afagar o ego de gente que possui economia de senso estético. Para essa gente, seria mais coerente ele dizer, por exemplo, que o sacrifício seria amar uma mulher difícil, ou que pulou do edifício, ou que perdeu o dentifrício, ou que provocou um genocídio.

É gente que pensa – desculpem a rima – por um só orifício.

É certo que tudo o que é novo causa estranhamento. É preciso ouvir mais de uma vez, até que nossos ouvidos (orifícios auriculares) se acostumem; e nossos sentidos de harmonia creditem todas as sensações que pulsam; e nosso corpo sinta a obra que se expõe.

Isso se dá no cinema, no teatro, na ópera, no balé, no livro que iniciamos, na música que ouvimos, no circo. Até o quadro, que já vem pronto, não pode ser apreciado entre intervalos: ele necessita de tempo.

Portanto, não me venham dizer que o Chico perdeu a rima. Chico acaba sempre se impregnando na nossa memória, e fica na gente recorrentemente marcado como uma tatuagem.

Caso contrário, eu vou começar a questionar seriamente “esse coqueiro que dá coco”.

P.S.: onde eu também amarro minha rede, nas noites claras de luar."


2 comentários:

Enzo disse...

"Por uma estátua ter adoração / Amar uma mulher sem orifício"

genial!!!!

Hélio Jorge Cordeiro disse...

Genital, diria! hehehe