quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Deus escreve certo em pernas tortas!


Outro dia, o danado do futebol me emocionou. Não foi no campo, não, muito menos assistindo uma partida pela TV. Foi quando estava lendo um dos trechos do livro “Futebol ao Sol e à Sombra” do uruguaio, Eduardo Galeano sobre Mané Garrincha que, infelizmente, nunca cheguei a ver jogando - só através de filmes e videotapes -, e de quem eu sou fã de incondicional. E foi por causa dessa emoção que decidi  postar o trecho do livro aqui no meu blog, para vocês. Aliás, no dia 03 de Setembro, Eduardo Galeano fez 72 anos.
Aqui vai:
“Garrincha
Algum de seus muitos irmãos batizou-o de Garrincha, que é o nome de um passarinho inútil e feio. Quando começou a jogar futebol, os médicos o desenganaram: diagnosticaram que aquele anormal nunca chagaria a ser um esportista. Era um pobre resto de fome e de poliomielite, burro e manco, com um cérebro infantil, uma coluna vertebral em S e as duas pernas tortas para o mesmo lado.
Nunca houve um ponta direita como ele. No Mundial de 58, foi o melhor em sua posição. No Mundial de 62, o melhor jogador do campeonato. Mas ao longo de seus anos nos campos, Garrincha foi além: ele foi o homem que deu mais alegria em toda a história do futebol.
Quando ele estava lá, o campo era um picadeiro de circo; a bola, um bicho amestrado; a partida, um convite à festa. Garrincha não deixava que lhe tomassem a bola, menino defendendo sua mascote, e a bola e ele faziam diabruras que matavam as pessoas de riso: ele saltava sobre ela, ela o expulsava, ela o perseguia. No caminho os adversários trombavam entre si, enredavam nas próprias pernas, mareavam, caíam sentados.
Garrincha exercia suas picardias de malandro na lateral do campo, no lado direito, longe do centro: criado nos subúrbios, jogava nos subúrbios. Jogava para um time chamado Botafogo, e esse era ele: o Botafogo que incendiava os estádios, louco por cachaça e por tudo que ardesse, o que fugia das concentrações, pulando pela janela, porque dos terrenos baldios longínquos o chamava alguma bola que pedia para ser jogada, alguma música que exigia ser dançada, alguma mulher que queria ser beijada.
Um vencedor? Um perdedor com boa sorte. E a boa sorte não dura. Bem dizem no Brasil que se merda tivesse valor, os pobres nasceriam sem cu.
Garrincha morreu sua morte: pobre, bêbado e sozinho.”
- Futebol ao Sol e à Sombra – Eduardo Galeano, (tradução Eric Nepomuceno e Maria do Carmo Brito – Edição Atualizada) L&PM Pocket/1995 - Garrincha – (pgs 106-107) -

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