sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Frutas não dão em pedras

















Diziam quando ele era pequeno, que ele era uma frutinha de garoto. Os pais detestavam tal característica dada ao seu filho único. O menino, por sua vez, odiava tudo que fosse fruta. Cresceu, se formou, casou e teve um filho.


Durval era pastor e líder de uma igreja evangélica. Durante seus cultos, pregava a cura pelas frutas. Ficou rico e famoso, mas seus pais não chegaram a desfrutar de seu grande sucesso.  Já bem velho, sem herdeiros para deixar sua fortuna e seu legado religioso, resolveu adotar uma criança; ao tê-la nos braços trêmulos pelo avançado Mal de Parkinson, olhou-a atentamente e com um sorriso torto pelas rugas, balbuciou bem baixinho, como quem não desejasse ser ouvido: “Mas que frutinha de garoto, esse!”


O Menino cresceu. Maior de idade, resolveu renegar tudo que seu pai  havia deixado , inclusive abdicou do legado religioso que ficou nas mãos de um ex-traficante convertido. Sem eira nem beira, saiu pelo mundo até encontrar a sua verdadeira identidade, num lugarzinho abandonado pela modernidade, no meio das montanhas sagradas do Himalaia. Virou uma espécie de monge.


Uma noite, quando estava cochilando, escutou o telefone tocar do lado de sua cama. Era da enfermaria do hospital. Eles o queriam lá na emergência o mais depressa possível. Ele correu, vestiu seu jaleco verde-esmeralda e foi ter com eles. Quando chegou, um homem bem velho estava prostrado numa maca, tendo convulsões e espasmos incontroláveis. Ele se certificou do quadro com os enfermeiros. O velho tinha os olhos arregalados e fixava-o. Pela primeira vez ele ficou sem jeito e embaraçado com aquele olhar. Em seguida, auscultou o enfermo. Este, por sua vez, ao vê-lo com a cabeça encostada ao seu peito, puxou-o pela gola do jaleco e quase desfalecendo disse com uma voz carregada de fenecimento derradeiro: “Você é frutinha, não é?” Depois pendeu a cabeça e uma gosma rosada saiu de sua boca encarquilhada e manchou todo seu terno e um broche de ouro com o símbolo da Igreja Vitamina de Deus.


Nas férias viajou. Ao visitar a Ásia, foi num mosteiro Budista entre as montanhas do Himalaia. Ficou impressionado com a majestade do lugar e sua calma reinante. Entrou e saiu dos lugares com a sensação de paz e com alma purificada. Cansado, resolveu sentar na beira de uma fonte.  Um velho que parecia ser um monge e que ia passando, logo que o viu, aproximou-se e disse-lhe com uma voz que soava como um farfalhar de asas de borboleta: “Frutas não dão em pedras!” O velho deixou-o, em seguida. A partir de então, ele soube que quando voltasse, nunca mais seria o mesmo.


A igreja estava lotada e tinha em seu interior uma excessiva quantidade de fiéis. Todos estavam atordoados com a repentina notícia da prisão de seu líder, o ex-traficante convertido, Gerson de Jesus Assunção.  Ele e mais dois guarda-costas haviam saído da igreja depois de um dia de trabalhos e cultos. Estavam seguindo pela Rua Augusta, quando, próximo à Av. Paulista, deram com um homem que vinha em sentido contrário, caminhando. Pararam o carro e os três desceram e abordaram o homem. Depois de uma calorosa discussão, os guarda-costas começaram a espancar o homem, chamando-o de “frutinha”. Uma forte pancada na cabeça.  Ele caiu no meio da guia, todo ensangüentado. Estava morto. O sangue que escorria de seu nariz e ouvidos formou  uma pequena poça em torno de sua maleta de médico. Todas a palavras daquele velho, que ele encontrou na fonte do mosteiro, lá no Himalaia, fez todo sentido pra ele no final.

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