sexta-feira, 8 de julho de 2011

Café com cicuta


















Outro dia, lendo um artigo do New York Times de 2001, que falava sobre escritores que não bebem e nem fumam, lembrei de um encontro, lá em Nova York, que tive com um amigo escritor.

Era um fim de tarde de Outono, de 2007, eu estava passeando pelas ruas da Big Appel, procurando alguns sebos, quando resolvi dar uma parada e beber um café. Os velhos e altos arranha-céus pareciam menos altos e mais velhos. Os taxis amarelos, naquela época do ano, pareciam menos amarelos e mais ocres. Do outro lado da rua, em cima de um prediozinho de cor amarronzada, um nome me chamou a atenção: “Cofee with Cicuta”. O Café era um espaçozinho bem engraçado com três mesinhas do lado de fora; todas ocupadas. Numa das mesas estava o poeta e escritor Enzo Potel. Eu fiquei super contente por vê-lo ali, tão longe de nossa terra brasilis. Fazia muito tempo que não o encontrava. A última foi em Singapura, em 2005, quando estive por aquelas plagas dando palestras para uma associação de sados masoquistas cegos e ele acompanhado de um grupo de nanoescritores da terceira idade. Resolvi atravessar a rua e ter com o meu amigo.

Enzo bebia alguma coisa, compenetrado, lendo uma edição do “A quarta Legião dos Malfadados Escritores Latinos Americanos Anônimos”, de Bárbara De La Vega, escritora, já falecida, nascida nas Ilhas Canárias; morrera aos 25 anos, atropelada por uma carroça de gerânios. Fui chegando por trás do amigo escritor e me sentei ao seu lado, silenciosamente. A princípio, ele não notou a minha presença, de tão compenetrado que estava com a sua leitura. Comecei a narrar um trecho que eu sabia de cor de um livro, cujo conteúdo ele abominava: “A vida útil dos Glutens em nós mesmos”. Senti que o amigo ficava cada vez mais incomodado ao longo de minha narrativa, até que ele desceu o livro que estava lendo na direção do colo e olhou para mim: “Só podia ser você!” – disse em latim arcaico, com uma mistura de satisfação e, quiçá, ódio, por estar sendo incomodado. Eu terminei o resto do trecho e o cumprimentei: “Caríssimo, poeta e escritor!” e ele: “Meu escritor anônimo!”. Trocamos um acanhado abraço. Perguntei o que ele fazia em Nova York naquela época do ano, já que ele costumava ir à Santa Helena no mesmo período, para lembrar dos tempos napoleônicos e tomar sol. Ele disse que fora convidado para uma noite de autógrafo do lançamento de seu mais novo livro, em inglês, “Color Pencils for Blinds”. Suas palavras, pela primeira vez, me pareciam sem convicção, secas, cruas e sem molho. Relevei e quis saber mais, afinal faziam anos sem uma prosa sequer. Enzo preferiu o silêncio. Então comecei a lembrar dos tempos em que discutíamos até a exaustão, Elliot, Balzac, Capote, Foucault, Engels, Homero, Simenon, Robbins, Tostoi, Blynton, G. White, Luluzinha e Bolinha, Rios e tantos outros, inclusive, Surfistinha, cujos originais estavam com ele e que seriam lançados somente em 2008. Enzo esperou que eu esgotasse todo o meu repertório de lembranças, sorriu e falou, amenamente: “Meu querido anônimo, você já reparou naquela tabuleta acima do portal de entrada?” – eu me virei e vi que estava escrito, em inglês, uma mensagem que agora traduzo: “Caso você não fique satisfeito, nós aumentamos a dosagem!”. Eu então perguntei: “Poeta e escritor, o que o caríssimo está bebendo?” Ele deu mais um gole na sua bebida, olhou na direção do garçom, que acabara de servir uma das mesas e disse pro jovem: “O Café estava bom, mas a cicuta fraca, fraca...”

2 comentários:

enzz zzz zzo disse...

(eu tinha comentado no lugar errado!!!)

eu acho uma falta de respeito nosso momentos mais banais virarem literatura.

haahahhaahah

abraçon!

Hélio Jorge Cordeiro disse...

Não se incomode, teremos outros muito mais sem importância e banis que esse! rssss