HOUVE UMA
VEZ UM CARNAVAL E O MENINO QUE FAZIA ANIVERSÁRIO
NA
TERÇA-FEIRA GORDA
Por Hélio
Jorge Cordeiro
Segunda-feira gorda,
terça-feira gorda... Realmente eu não sei se é por muita fartura
ou se é em homenagem ao deus Momo. Isso mesmo, deus! Segundo algumas
fontes, Momo era o deus dos escritores e poetas, espírito
mal-intencionado e um crítico injusto. Nenhuma novidade. Todo
crítico parece ser sempre injusto, pelo menos para os criticados,
mas deus dos escritores e poetas?! Pelo menos eu não vi nenhum
adepto das letras daqui se esbaldando nos festejos dedicados a ele,
Momo. Esse deveria ser o nome de um sabão em pó só pra lavar
fantasias de carnaval!
Para mim, a
segunda-feira gorda sempre foi um dia meio híbrido: nem tudo abre
nem tudo fecha ou vice e versa. Resolvi seguir à risca o que havia
me prometido fazer no dia: “Vou fazer algumas obrigações
domésticas e, em seguida, quero ver como a cidade se comporta com a
alegria dos outros.”
É isso mesmo, a
alegria dos outros, já que a cidade do outro lado do rio se veste
com peruca, sutiã, saia, calcinhas e marias-chiquinhas e outros
badulaques próprios do sexo feminino e se solta. Ou será que é ao
contrário, as pessoas daqui é que vestem peruca, sutiã etc., e vão
pra lá se soltarem? Bom, o movimento estava tão intenso que pensei:
“É isso aí, festa boa é mesmo na casa dos outros.” É que eu
tive a sensação de que toda Itajaí tinha ido embora para
Navegantes se esbaldar. Meu Deus! Era gente a dar com pau na grande
arca da travessia!
Ao chegar ao mercado
público, fui direto ao meu reduto boêmio, onde faço minha
purgação. Purgação no bom sentido, é claro. Ao chegar, vejo a
jovem gerente do Café e Cultura dando um trato no chão do
estabelecimento; isso me fez sentir como se eu estivesse nas
escadarias do Bonfim, na velha Bahia de Castro Alves, do Abaeté, das
noites de magia e do candomblé, como diz o samba-enredo. “Só
falta água de cheiro!”– pensei alto levantando os pés para não
vê-los molhados.
Olhei pro outro lado do
rio e comecei a escutar alguns sons que me diziam: “Hoje é mesmo
carnaval!”
Terminada a lavação,
pedi uma cerveja e me sentei na calçada que dá vistas para o grande
rio. – Não existem mesas naquele lado, mas pedi um banquinho,
aliás, dois, um para mim, outro para cerveja – companheirismo é
isso! – e fiquei lá quieto só observando um bloco que subia e
descia. Esperem, o bloco era de gaivotas que, assanhadas, voavam de
um lado pro outro, para cima e para baixo.
O movimento de carros
começou a se acentuar, assim como, a minha sede. Dei mais umas boas
goladas na “loirinha”. As pessoas chegavam de carro, estacionavam
no terreno em frente, agitadas, ansiosas. Algumas, fantasiadas de
mulher, outras, de arremedo de mulher e outras, de alguma coisa que
lembrava bem de longe as duas primeiras opções.
Bom, o sol ainda se
fazia soberano no firmamento, mas o calor aos poucos foi dando lugar
a um arzinho frio e, de repente, começou a soprar uma brisa, digamos
assim, argentina. “Tudo bem, é segunda-feira gorda e estamos em
pleno carnaval.” – eu pensei tentando me consolar. Fiquei firme
no meu lugar, com brisa e tudo. Logo, uma cerveja se foi e, mais
rápido ainda, outra logo veio – rei morto, rei posto!
Continuava o fluxo de
gente em frente ao mercado, pra lá e pra cá, aliás, mais pra lá
do que pra cá. De repente, parou! “Cadê o povo?!” – me
perguntei, surpreso. As pessoas tinham sumido! Tentei relaxar, mas o
barulho que vinha do outro lado do rio contrastava com o silêncio
que se formara do lado de cá. Silêncio, aliás, que não perdia
para nenhum mosteiro beneditino da Capadócia.
Como a brisa estava
mais pra Riquelme do que pra Júlio Baiano, me recolhi para o
interior do recinto e, mais uma vez, me deixei relaxar. Todavia, não
estava satisfeito com o silêncio. Aquilo me incomodava. Então fui
para fora, para calçada, equilibrando minha tulipa – não a flor,
mas o copo onde se costuma abrigar uma cerveja bem geladinha. Não
demorou, apareceu Claudinha, parceira de bar, e com ela uma amiga.
Tinham vindo de Navegantes. “Que bom, notícias frescas da folia!”
– pensei com uma alegria quase orgástica.
Papo foi, papo veio,
curiosidade satisfeita, aí, para minha surpresa, chegou nada mais
nada menos que André Pinheiro. – seu sobrenome poderia ser
carvalho, imbuia, jacarandá ou qualquer outra madeira nobre. Todas
lhe cairiam muito bem, pois se trata de um sujeito muito legal. Foi
realmente uma surpresa. Faço aqui uma confissão: eu achava que
André era uma entidade da umbanda que descia apenas no Sarau
Benedito. Não, ledo engano o meu! Lá estava ele em carne e osso e
sem cabelo! Começamos a beber – eu cerveja e ele café – o que
mostrava que eu e André tínhamos algo mais que incomum! – Eram
agora: Claudinha e sua amiga, eu e André. Conversamos e conversamos.
Tema: religiosidade! É, nem tudo é gandaia, minha gente! Esperei
que alguém dissesse o que estava fazendo ali, já que o carnaval
queimava os pés do povo no outro lado do grande rio. Nenhuma
justificativa plausível foi posta à mesa, então demos continuidade
ao falatório sem mais preocupações.
Ficamos a conversar por
lá um bom tempo, até que cada um decidiu ir embora, aliás, eles
decidiram ir embora, mas eu não! Fiquei mais um pouco na esperança
de me sentir realmente em plena segunda-feira gorda de carnaval. Não
deu! Assim, diante dos fatos, decidi fechar a conta e saí andando
com os meus próprios pés! Como diria frei Damo: “Cioè uno
miracolo!”
Segui pelo centro até
a igreja matriz sem ver uma alma viva. Aliás, como diz a santa madre
igreja católica: a alma não morre nunca! Quando despontei na frente
à edificação religiosa, vi um pequeno aglomerado de pessoas à
beira do lago artificial! Todos se deliciando com as iguarias do
Medonho. Sujeito simpático, o Medonho. –“Pior seria se o nome
dele fosse Simpático, porém um sujeito medonho!” – pensei
aliviado. Fui até ele e o cumprimentei como sempre fiz ao longo
desses anos em que moro em Itajaí e como seu hot-dog. Adquiri um
exemplar de sua iguaria e segui mastigando o quitute pela isolada,
desértica e solitária Rua Brusque. Êpa! Não é bem assim, havia
gente andando nela!
À minha frente, ia um
casal, que seguia discutindo. Ela o arguia querendo saber por que ele
não assumia a relação com ela. Já ele, se desculpava com vários
“Você não entende, nega!”. Não quis intervir, mesmo porque eu
tinha me engasgado com o excesso de ervilhas na guloseima do Medonho,
então me apressei e passei os dois. Foi como se estivesse na São
Silvestre, em 1º de Janeiro, em SãoPaulo. Ah, não gosto de
rompimentos. É triste, é chato e dói para cacete.
Continuei à frente dos
dois dissidentes amorosos e fui dar de cara com um grupinho de
rapazes que andavam à nossa frente, cujo papo era sobre um deles que
estava trajado de “mulher”. Zinino – acho que era o nome do
gajo! – tinha sido vítima de uma mão-boba em Navegantes e estava
fulo da vida, porque todos estavam afirmando ter acontecido, de fato,
o assédio à sua região do glúteo. Só para registrar: O sujeitinho
tinha um bundinha de fazer inveja a qualquer tanajura chamando chuva
em pleno verão. Bom, permaneci caminhando bem atrás deles. – Eu
disse “deles” e não “dele”. O tal de Zinino afirmava,
categoricamente, que ninguém tinha passado mão na bunda dele,
enquanto seus amigos – amigos?! – diziam o contrário e se
lascavam de tanto rir. Assim foi até eu decidir deixá-los para trás
– pôxa, não aguento gente que não diz a verdade!
Estava terminando o
“medonho” quando, de repente, apareceu em minha frente um menino
que me seguiu emparelhado. Não sei de onde o danado saiu! Ele me
olhou e perguntou: “Quantas horas? – “São meia-noite e dez.”
– “Puxa, já é o meu aniversário! - “Ei, é o seu
aniversário? Quantos anos você faz? – “Faço doze anos!” –
“Parabéns! – “Obrigado!” – “Olhe, tenha juízo!”
Fez-se então um silêncio próprio das noites de Itajaí, numa
madrugada de carnaval. Para não ficar assim, eu então lhe disse:
“Assim como você, eu também fiquei feliz quando eu fiz os meus
doze anos! Aproveite.” Ele apenas deu um sorrisinho e disse um
inaudível tchau. O menino entrou numa casa e eu segui em frente,
agora sozinho.
Na rótula do Posto
Presidente, soprou uma brisa e, com ela, veio uma sensação tão
boa, que realmente achei que estava numa segunda-feira gorda da minha
infância em Recife!
Ah, eu só fui ver
gente outra vez, pela manhã, quando me acordei e fui ao espelho, mas
daí já era terça-feira gorda e o menino, quem sabe, estivesse
ansioso para ver seus presentes e soprar suas doze velinhas lá pelo
fim da tarde.
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