domingo, 22 de junho de 2014

Escrever é o que você quer? Então, escreva!





























Gente, olha só este artigo que peguei do Digestivo Cultural, que trata de como quase todos desejam escrever um livro algum dia na vida e que acho ser possível fazê-lo, agora se vai ter qualidade literária, aí são outros quinhentos.



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Digestivo Cultural / Segunda-feira, 7/1/2008
Então, você quer escrever um livro...



por Pilar Fazito



“Seus amigos e familiares começam a dizer que você deveria escrever suas memórias. São tantos casos pitorescos, engraçados, inusitados que andou colecionando por todos esses anos... Talvez valesse mesmo a pena compartilhar isso tudo com o resto da humanidade, deixar para as futuras gerações todo o seu aprendizado.

Que não seja uma autobiografia... Vai que você quer escrever dicas de bem viver, máximas otimistas, um tratado sobre "relacionamentos interpessoais" (e existe outro tipo?) ou mesmo suas experiências como administrador da própria vida, aplicando no cotidiano aquilo que aprendeu na carreira...

Sejamos francos e vamos aos fatos:

1. Um pouco de humildade cai bem
Somos mais de seis bilhões de pessoas no planeta e cada uma tem uma trajetória marcante. Ao menos para si mesma. O que o faz pensar que a sua se destaca dessas outras tantas e seja merecedora de um lugar nas estantes? Pode até ser que se destaque mesmo e mereça virar um livro. Mas antes de sair por aí, procurando de forma estabanada uma editora ou alguém que empreenda seu projeto, reflita sobre isso.

2. A mão que escreve
Ok, você refletiu e chegou à conclusão de que tem mesmo que escrever algo ou essa idéia o consumirá até o fim dos dias. Então, "mãos à obra". As suas ou as de um profissional?

Seu professor da segunda série ginasial, lá nos idos de mil-oitocentos-e-refrigerante-com-rolha disse, certa vez, que sua redação estava ótima. E você acreditou. Mas de lá para cá, você nunca mais escreveu nada além de atas de condomínio, bilhetes de porta de geladeira, e-mails, lista de compras e um ou outro relatório técnico.

Vez por outra, você até arrisca uns versinhos em papel de padaria, ou escreve mesmo num caderninho. Você fala de vento, sol, mar e passarinhos. E como as palavras rimam, você acha que escreveu um poema e mostra para os amigos numa roda de chope, em meio a um churrasco. Eles não entendem patavinas de li teratura, mas acham bacana e dizem que você é um "poeta". E, mais uma vez, você acredita.

Você pode até escrever bem, sem nunca ter passado por uma faculdade de Letras, afinal, faculdades de Letras não formam escritores, embora devessem. Mas comentários de família e amigos, nessas horas, não valem. Essa gente é suspeita para falar e, se não gostarem do que você faz, dificilmente dirão a verdade, para não magoá-lo. Como eu não estou aqui para isso, prepare sua auto-estima e respire fundo...

Baixe a crista e contrate logo um profissional para te ajudar. Alguém que se dedique à escrita. Um escritor de verdade, reconhecido, que tenha mais tempo de estrada e de experiência do que você. Ou um editor literário. Literário, veja bem! Cuidado com jornalistas e publicitários que nunca fizeram um trabalho de cunho literário ou é provável que seu escrito vire uma grande reportagem do Globo Repórter. Se é isso o que você quer, dirija-se ao guichê do lado. Caso a sua i déia seja a de um livro mesmo, por favor, queira continuar esta leitura.

O profissional contratado poderá escrever por você ― e aí ele recebe o nome de ghost writer ― ou ao menos analisar seu texto e te dar um parecer, editar, organizar ou preparar seu material. O preço vai depender da trabalheira que você der a ele. Convenhamos, nada mais justo.

De qualquer forma, é muito importante que você ouça a opinião de um profissional. Se puder, até de mais de um. Um profissional não vai dizer que seu texto é um primor ou uma "tosqueira" completa. Ele vai apontar o que está bom e o que não está. O que pode melhorar, o que deve ser enxugado ou desenvolvido, vai dizer se o registro verbal e discursivo está coerente com a sua proposta: narrativa em primeira ou terceira pessoa? Verbo no passado ou presente? Rigidez da conformidade gramatical, eruditismo ou uso coloquial? Linguagem acadêmica? Jornalística? Publicitária? Jargão jurídico?

3. Os recursos da escrita
Hoje, um escritor de livro infanto-juvenil, por exemplo, tem que tomar muito cuidado ao usar o pretérito-mais-que-perfeito ("fizera", "andara", "falara"). Há muito que esse tempo verbal desapareceu da fala cotidiana não apenas na língua portuguesa. Em Francês, seu correspondente, o passé simple, também é chamado de "passado literário". Mas até a literatura vem abandonando esse tempo verbal devido ao cheiro de mofo e à quantidade de ácaros que ele traz consigo. O pretérito-mais-que-perfeito pode ser facilmente substituído pelo pretérito perfeito ("fez", "andou", "falou"), sem alterar o sentido e com a vantagem de não exalar esse componente arcaico. O mais-que-perfeito pode até ficar bom num texto, mas desde que não se misture com neologismos, gírias e estrangeirismos, porque estes sim têm um jeitão contemporâneo. É essa mistura impensada que denuncia a falta de técnica de um escritor.

Escrever um texto é como pintar. Imagine muitas cores e muitos materiais: giz de cera, aquarela, guache, tinta a óleo etc. O artista de verdade escolhe o material e combina cores e traços de forma consciente. Essa combinação de técnicas produz um efeito parcialmente premeditado. Ou intuído. Se o leitor vai captar esse efeito, já é algo que está além da instância de criação. Mas mesmo não tendo a garantia da interpretação, o artista tem que ter em mente os seus 50% de responsabilidade do sentido de um texto.

Assim, voltando ao nosso exemplo, o escritor de um livro infanto-juvenil precisa perceber que o pretérito-mais-que-perfeito é parente do "doravante", "outrora", "aurora" e, para rimar, da "vitrola". Do outro lado do ringue, estão os recursos da modernidade, com seus coloquialismos diretos. Não apenas a gíria, mas a forma direta do pretérito perfeito, o "a partir de agora", "antigamente", "madrugada" e, sem rima alguma, o "mp3", só para exemplificar.

A escolha de termos, palavras, expressões, tamanho dos períodos, ordem direta e quantidade de apostos são critérios que o escritor deve ter em mente no momento em que escreve ― ou no momento em que "deita" a idéia no papel.

4. Escritor não é quem publica um livro
Como se vê, além de conteúdo, histórias interessantes, criatividade, sensibilidade e boa observação, o escritor deve entender e dominar a linguagem que usa.

Não existe nenhum órgão público, sindicato ou nenhuma associação que proíba as pessoas de escreverem e publicarem livros. Do mesmo modo, não existe uma lei que obrigue o sujeito a ter diploma de Letras para isso. Não acho que seria o caso de haver esse tipo de exigência, mas aqueles que se aventuram nessa tarefa deveriam, ao menos, aprimorar o próprio bom-senso.

Primeiramente, papel é árvore e, em tempos de aquecimento global e discussões ecológicas, faríamos bem poupando alguns representantes do "povo-em-pé" das bobagens que lhe são imprimidas.

Segundamente (como diria o Odorico Paraguassu), é preciso dar um basta nesse consumismo ocidental desenfreado que transforma todo produto em lixo. No fim das contas, há gente escrevendo por aí e editoras publicando material de qualidade ruim fundamentadas unicamente no marketing e transformando os olhos dos leitores em penico. Há muitos textos sendo publicados antes da maturação. Textos que os escritores poderiam lapidar melhor, antes de despejar nas nossas estantes. Talvez assim muitos livros deixassem de ser mais um calço de mesa para se tornarem boas obras ou até mesmo obras-primas. Da forma como estamos, o livro-objeto tem superado o livro-conceito. Ou seja, interessa mais ter um livro gordinho, cor-de-rosa, cheio de fotos e de capa dura na estante do que um bom romance, com trama bem amarrada e instigante. Assim como a Bíblia, o livro tem virado bibelô, objeto de enfeite.

5. Eu não entendo nada de contabilidade
Eu poderia, perfeitamente, estudar matemática, ler aqui e ali e começar a fazer as contas da minha empresa sozinha ou a fazer minha declaração do imposto sem a ajuda de ninguém. O risco de cair na malha fina é muito maior do que se eu contratasse um bom contador. Contratar significa reconhecer o trabalho desse profissional e pagar por ele. Por mais que ele faça minhas contas "com o pé nas costas" e "plantando bananeira", ele passou a vida se preparando para isso. Eu, não.

Da mesma forma, preciso de alguém capaz de criar estratégias de venda para essa empresa. Preciso de um encanador que faça um trabalho bem feito, um médico, um advogado etc. Eu poderia fazer tudo por minha conta e aí eu teria uma gambiarra que não impediria o vazamento na pia, a queda de vendas da empresa, uma gripe que virasse pneumonia, ou um processo na justiça. Por que com a escrita e a linguagem haveria de ser diferente?

Meu negócio é a linguagem escrita. Tenho estudado muito e hoje sou capaz de escrever e analisar os textos mais variados, editá-los, transformá-los, reescrevê-los, revisá-los. Essa é a minha profissão. E profissão a gente aperfeiçoa incansavelmente, dia a dia (assim, sem hífen mesmo. E se quiser me perguntar por que, por favor, queira consultar minha tabela de honorários). Não dá para achar que já chegou ao topo e pronto.

6. Então você ainda quer escrever um livro...
Planeje sua escrita, seu enredo, a narrativa. Amarre a trama. Construa bons personagens e diálogos. Atente para a descrição. Se tiver cacife para tal, escolha palavras que tenham uma combinação sinestésica, sonoras e poéticas. Quando bem feita, a narrativa fantástica ou poética pode transformar qualquer enredo banal em algo genial.

Escolha com cuidado o material lingüístico e discursivo que vai usar. Se for poema, tenha em mente a musicalidade das palavras e sílabas e cuidado com a rima pobre para seus versos não virarem um jogralzinho "mequetrefe" do pré-primário.

Tenha em mente o efeito que deseja ao usar frases longas ou curtas demais. Cuidado com o uso de ironias, metáforas e ambigüidades: esses recursos produzem múltiplas interpretações e costumam ser um fiasco quando mal utilizados. Quando bem produzidos, entretanto, é a glória!

Saiba que não há palavras, expressões e recursos ruins na escrita, mas sim mau uso deles. E, claro, cuide da ortografia, das concordâncias e regências, porque o trabalho do revisor é corrigir o que passou despercebido, não ensinar a você o que deveria ter aprendido na escola.

Se você acha que não conseguirá dominar todas essas técnicas, mas ainda assim quer escrever um livro, vai por mim, cara, contrate um profissional.”

Nota do Editor
Leia também "
Os desafios de publicar o primeiro livro"

Pilar Fazito
Belo Horizonte, 7/1/2008

2 comentários:

Anônimo disse...

Escrever é bom...mas dá uma preguiça...

f.

Hélio Jorge Cordeiro disse...

É o mesmo que se alimentar...Você sabe que precisa,mas às vezes, dá um fastio danado. rsrs