domingo, 20 de novembro de 2011

Borges X Lugones















Pessoal, ao acompanhar a biografia de Borges escrita por Irwin Williamson, Borges: uma vida, dei de cara  - ou olhos se preferirem - nesse pedaço que achei incrível, onde o grande Borges defende um novo olhar para as questões de nacionalidade, no caso a argentina, que estavam fresquinhas em sua juventude e que, hoje, podem servir de base para que possamos discutir a nossa, bem mais complicada, diga-se de passagem.

“A concepção de nação de Borges era diretamente oposta à de Leopoldo Lugones ¹. Nessa época, Lugones propagava a teoria de que a Argentina tinha uma hierarquia  social na qual os crioulos  deveriam ocupar uma posição dominante, garantida, se necessário, pela força militar. Mas Borges rejeitava esses nacionalismo elitista e contestava a interpretação de Lugones  de que o Martín Fierro seria a epopeia  dos crioulos. Com efeito, em tudo o que Borges viria  a escrever sobre a o obra de Hernández estaria presente um argumento implícito contra a mistificação do poema feita por Lugones. Não se tratava de uma epopeia, diria ele, sobretudo porque Fierro estava longe de ser exemplar: era um assassino e desertor e, como tal, tinha mais as qualidades contraditórias de um personagem de romance do que de um herói épico.

Em 1928, Borges fez um discurso para um grupo de jovens nacionalistas no qual sustentava que os crioulos deveriam “sacrificar” seu orgulho da ancestralidade em nome da honra maior da nação:

Porque nesta casa da América, meus amigos, homens das nações do mundo conspiraram para desaparecer no homem novo, que não é nenhum de nós ainda e que predizemos argentino , para assim nos aproximarmos da esperança. É uma conjuração sem precedentes:  pródiga aventura de estirpes, não para perdurar, mas para esquecê-las no fim: sangues que buscam noite. O crioulo é um dos conjurados. O crioulo, que formou a nação inteira, preferiu agora ser um entre muitos.

Enquanto Lugones queria fixar a identidade argentina no passado, Borges tinha uma visão dinâmica da nacionalidade e instava seus companheiros crioulos a olhar para o futuro. A independência, na sua visão, havia sido uma revolta de filhos contra seus pais, um ato de fé” dos crioulos na possibilidade de ser diferente dos espanhóis. Porém, na virada do século, as realidades da imigração haviam rompido a linhagem crioula novamente e, para preservar na aventura de construir uma nação, era necessário estender e renovar o ato de fé original a fim de incluir todas as pessoas que se haviam estabelecido na Argentina desde a independência.

Borges sustentava essa concepção com extraordinária convicção e isso aparece nos tropos que utilizou: “estirpes que buscam a noite”, os “conjurados” que buscam criar um “homem novo” na Argentina. O fato é que ele tinha um interesse pessoal na questão da identidade nacional. Sua própria ancestralidade era mista – sua mãe era crioula pura, seu pai era meio inglês - , mas a história da Argentina havia permeado de tal forma a consciência de sua família que ele passara a ver o destino da nação como um espelho mais amplo de sua própria história.

(WILLIAMSON, 2004, pp. 39-40)

¹ Leopoldo Lugones, poeta, escritor e jornalista argentino. Nasceu em Vila de María Del Rio Seco na província de Córdoba em 1874, suicidou-se  em El Tigre, balneário próximo a Buenos Aires em 1938. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Leopoldo_Lugones) Acessado em 20/11/2011
WILLIAMSON, Irwin.  Borges: uma vida. Trad. Pedro Maria Soares. São Paulo: Companhia das Letras, 2011

Nenhum comentário: