terça-feira, 30 de novembro de 2010

Marcado pela cuiabania*
















Fui, recentemente, até o Mato Grosso. Cuiabá. Nunca tinha ido tão longe Brasil adentro. Fui à Brasília, nos anos 70 e só. Chegando a Cuiabá, me dei conta de que existe vida inteligente fora do Brasil litorâneo. Uma vida pungente, cheia de cor e harmonia. O antigo e moderno convivendo lado a lado.

Cuiabá, uma cidade evoluída, moderna, mas também, antiga e carente de cuidados. Pude ver em suas ruas estreitas, um pouco (ou muito) de nossa história. Antigos casarios de três beirais que me deixaram com uma vontade louca de vê-los restaurados, compondo com a paisagem moderna um quadro harmonioso e rico. O cuiabano, gente simples e simpática, carregando atrás de si um valor pouco visto nas capitais litorâneas deste imenso país e sem os bairrismos desvairados que vemos por aí. Na verdade, os encontrei muito orgulhosos pela sua cidade. Principalmente agora que Cuiabá irá receber os jogos da Copa do Mundo. Existe uma grande expectativa de que a cidade melhore em todos os níveis; saúde, educação, transporte, em infra-estrutura de modo geral. Tomara.

O lugar foi descoberto pelos bandeirantes. Cuiabá está situada à margem esquerda do rio que deu nome à cidade. Terra dos Bororos, conhecidos com bororos ocidentais, já que existem os bororós do planalto de Mato Grosso. Os Bororos eram índios valentes e cordiais, que viviam na confluência dos rios Coxipó e Cuiabá. Numa das muitas prosas que tive com os cuiabanos, me relataram que, ao receberem, pela primeira vez, os “estrangeiros”, os bororos foram amigáveis. Contudo, na segunda chegada dos desbravadores da terra de Anchieta, capitaneados pelo paulista Pascoal Moreira Cabral, eles foram espoliados e colocados prisioneiros. Assim, eles voltaram-se contra seus usurpadores. Valentes, enfrentaram os invasores com bravura e destemor. Era um povo valoroso, sem dúvida. Por fim, foram dizimados e os que restaram tiveram sua cultura transformada pela catequese dos Salesianos. Hoje, a maioria da população cuiabana tem um pé na etnia bororo. Como seus antepassados, os cuiabanos de hoje, recebem os visitantes com o mesmo sentimento caloroso do passado, mas não pisem em seus calos, senão...

Lá em Cuiabá, eu tive o privilégio de conhecer a filha de um dos mais vigorosos e incansáveis defensores dos valores cuiabanos, o poeta telúrico Benedito Sant’Anna da Silva Freire ou simplesmente, Silva Freire, por quem Manoel de Barros tinha muita estima e consideração. Daniela Freire de Andrade é professora da Universidade Federal de Mato Grosso. Conheci, também, o marido de Daniela, o arquiteto e também professor da UFMT, José Roberto Andrade. Gente fina, por sinal. E Larissa, irmã de Daniela. Larissa tem a responsabilidade de tocar a Casa de Cultura Silva Freire. Aliás, tem sido um trabalho árduo o dela, já que cultura no Brasil carece de muita atenção e apoio financeiro. Mesmo assim, vi, da parte dela, muita vontade e determinação nessa empreitada. De Daniela e Larissa recebi, de presente, não só a cordialidade e a simpatia, mas alguns exemplares da obra do poeta Silva Freire - , Águas de Visitação - Edição Póstuma – 2002, A Japa e outros croni-contos cuiabanos - Carlini&Caniato – Coleção Arueira – 2008, Trilogia Cuiabana - 1 - Presença na audiência do tempo, Trilogia Cuiabana - 2 – Na moldura da lembrança - Edições UFMT - 1991-, além de um bem cuidado catálogo do Circuito Cultural Setembro Freire 2010. Um programa cultural que aconteceu de 03/07 a 27/07/2010 e que teve a participação de toda a comunidade artística cultural de Mato Grosso, em especial, de Cuiabá. Aliás, o catálogo é um material gráfico muito bem cuidado e que teve a direção artística de Luiz Marchetti. Ah, Daniela também me presenteou o seu livro, uma biografia de Silva Freire adaptada para crianças: Bugrinho – Que menino é esse? – Entrelinhas – 2008. O livro teve a ilustração do artista plástico Marcelo Velasco.

Como não poderia deixar de ser, aproveitei a estada na capital do Mato Grosso e fui visitar o Pantanal. No caminho, passei por Poconé, uma simpática e calma cidadezinha, cujos arredores, estão tomados pela extração de ouro. No Pantanal, infelizmente, não pude ver os campos alagados, cartão postal daquele lugar maravilhoso - a chuva teima em não dar o ar de sua graça por aqueles lados, faz tempo. Mesmo assim, pude desfrutar das belezas naturais do lugar; tuiuiús, jacarés, capivaras, sagüis, macacos pregos, araras azuis, tucanos, nelores, cavalos xucros e, claro, os pantaneiros. Estes últimos, sem dúvida, uma gente determinada e trabalhadora. Na pousada onde fiquei – uma estância fundada por um paranaense nos idos dos anos 60 -, havia muitos turistas brasileiros, entre eles, alguns estrangeiros deslumbrados com o lugar. O por do sol, o nascer do sol e uma noite de lua no Pantanal é pra ficar na retina do sujeito enquanto este estiver vivo!

Em Cuiabá, pude desfrutar da sua rica gastronomia, baseada em peixe; dourados, pacus, jacarés, pintados, jacus, piraputanga (uma delícia!) e o maior de todos: o pirarucu. Comi uma farofa de banana que é mesmo uma maravilha. Existe um pirão ralo de farinha e coentro chamado mojica de Pintado que é de fazer qualquer ateu louvar a Deus por três vezes seguidas. Saboreei também, costela de pacu frita. Bom, é melhor parar por aqui, senão vou ficar na saudade e muito triste. Descobri o Mato Grosso e, sem dúvidas, gostei tanto a ponto de querer voltar pra lá o quanto antes.

Transcrevo, aqui, um dos poemas de Silva Freire. Um que foi para a contracapa do catálogo do Circuito Cultural Setembro Freire:

O Presente

(Silva Freire-1964)

Hoje eu quero me fazer o seu presente,


envolto numa bondade maior para lhe amar...


Hoje eu me prometo lhe amar, não como eu quero,


mas como Você sabe me ensinar o amor.


Eu a amarei, assim, em seus pequenos transes de trégua,


como um simples pastor saboreia


toda harmonia da noite lunar,


na doçura da planície que contempla e vive.


Eu amarei Você,


sobretudo aprendendo mais do amor com


que me ama, no silêncio iluminado de sua face gotejando


em mim seu outro ar de amor ardendo astúcias, só suas...


Eu amarei Você, com a mesma ardida ansiedade


das minhas noites de vigília...


Hoje eu amarei Você, como se eu,


um presente


tivesse mais beleza do que a paz


com que Você me inunda...

* frase tirada do livro "Bugrinho: Que menino é esse?" de Daniela Freire, no texto sobre o artista plástico Marcelo Velasco.





3 comentários:

Anônimo disse...

Hélio,
Foi um prazer recebê-los. Pelo que li do seu texto vc se abriu para o espírito da cuiabania e o encontro com o desconhecido foi inevitável e gratificante. Adoramos conhecê-los também. Abraços cuiabanos. Daniela.

Hélio Jorge Cordeiro disse...

Realmente, Daniela, foi mesmo marcante, nem foi preciso comer cabeça de Pacu (hehe), para ter gostado do vi.
Inté outro dia e que seja logo.
Hélio

Felipe Tanahashi Alves disse...

Sou Cuiabano e por obra do acaso encontrei seu blog com este texto maravilhoso!
Você realmente captou o sentimento da Cuiabania! E teve a sorte de ser recebido por legítimos amantes e filhos desta cidade!
Grande Abraço, e esperamos nova visita!