terça-feira, 1 de maio de 2012

Um Malvadeza por um Calafate














Gente, acabo de ler o prefácio que o editor, escritor, poeta e cronista, Cristiano Moreira, escreveu para o meu livro Malvadeza Durão que será lançado brevemente. Realmente, ficou além do que se pode esperar de um prefácio. As considerações foram, sem dúvida, uma análise digna dos melhores críticos, tanto de literatura, quanto de cinema. Na abertura do prefácio, pelo menos no meu entendimento, Cristiano foi na mosca. Da abertura até a última consideração sobre o livro. Cristiano abriu com um preâmbulo que, sem dúvida, levará o leitor a querer ler o que logo se seguirá com grande curiosidade. Por isso, agora, faço-lhe uma retribuição em agradecimento, só que nas palavras de um grande outro poeta catarinense, Enzo Potel, na resenha que este escreveu sobre o livro O Calafate Míope de autoria de Cristiano, que, aliás, deveria fazer a segunda edição urgente desse trabalho. Aqui vai a resenha de Enzo Potel para O Calafate Míope:
*************************************************O Calafate Míope, Cristiano Moreira
11 December 2009 para o blog Poetas no Singular

O Calafate Míope é um livro de poesia com tom de documentário, e não é à toa que recebe o subtítulo “Cinema Incompleto”. Toda a narratividade que permeia metade da obra em pequenos textos traz essa possibilidade singular ao leitor, ao passo que as páginas opostas recebem as estrofes onde a voz do próprio calafate se faz ouvida. O calafate é o último profissional a passar as mãos na construção de uma embarcação de madeira, antes da pintura. Num trabalho seráfico, o calafate é quem assegura o trabalho iniciado pelo mestre de risco (aquele que vê) e continuado pelo carpinteiro (aquele que faz). A arte de calafetar consiste na impermeabilização do barco, em passar fios de algodão ou estopa nas frestas do costado para evitar a entrada de água. Ela é quem possibilita que o navio volte do oceano, que não conheça as superfícies abissais. É o calafate quem separa o barco do mar. E depois vem o breu, e as cores, a lã de vidro e finalmente motor. E depois disso tudo vêm os olhos de Cristiano Moreira. E os nossos. Talvez os nossos só possam ser os dele emprestados, iluminados num mundo já enganosamente inoxidável de conceitos e progressos, metal e máquinas. Se em Rebojo (ed. Bernúncia, 2005), Cristiano já nos mostra que suas mãos estão no mar, fugindo pela foz do Itajaí-açu, O Calafate Míope é um trabalho mais difícil e mais bem-sucedido, mais íntimo do mistério e mais afastado da palavra. Cristiano constrói o sair, sólido, sonhando o Atlântico, mas com “o olho sempre metido na réstia luminosa que rasga a madeira”.No meio do livro, dois poemas idênticos. É a proa. É hora de dar a volta pelo barco. Agora, os textos ficam à esquerda e as estrofes à direita. Tudo é muito bem estudado, muito bem talhado. E surgem umas ironias deliciosas de quem tem linguagem nas mãos ao invés de impressões digitais, de onde brotam seguramente o jogo de imagens e de sons: “o calafate se prepara para bordar a embarcação”,“este barco aqui parado é uma floresta”, “passa o pescador sob os andaimes”, “salve slave, me disse outro dia um amigo Carlos”. Também esse domínio se maximiza e se minimiza quando necessário: “na cidade perto do rio, um barco solitário perdeu seu dono”, “o roxo da garrafa {de café} combina com as unhas do calafate”, “as unhas com olheiras”, “o mesmo fio segue o barco e as calças”, “meu ofício é não ouvir falar dos barcos que suturo”.O leitor deve se questionar se Cristiano já foi calafate para ter tanto domínio desse cotidiano, ou se houve um trabalho de pesquisa destinado à confecção específica desta obra; mas Cristiano explicou recentemente que durante um período de sua adolescência trabalhou como ajudante de carpinteiro naval, e enxergava em todo esse grupo de trabalhadores uma delicada experiência humana. E estava lá, olhando e deixando-se olhar, absorvendo os esboços de seu segundo livro, ou talvez de muitos outros que virão. A carpintaria de ribeira, essa construção naval específica de barcos de madeira, que se localiza na foz do rio Itajaí-açu, com suas ossadas simétricas – carcaças de baleia organizadas num espaço para uma decomposição ao contrário – acabam de receber um presente pelo suor de um poeta. E que ultrapasse as leituras locais diante da habilidade de Cristiano em conduzir a palavra ao mar. Navegantes e Itajaí acabam de ganhar um presente que ultrapassa as fronteiras da literatura, quando a literatura sai do mapa e volta para os olhos de quem nem se sabe tema de poesia. Em O Calafate Míope, técnica e sentimento estão maravilhosamente encaixados a bombordo e estibordo, criando uma estrutura que singra nas ondas de nossas mãos, de vivência em popa.

por Enzo Potel (autor de Cura, Afeganistão entre outros)

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