quarta-feira, 23 de maio de 2012

Esta é das mil e uma noites
















Gente, extraí do livro "Livro dos Sonhos" de Jorge Luis Borges, edição do Círculo do Livro/1976 e tradução de Cláudio Fornari, esta bela narrativa do livro das mil e uma noites.

Às vezes é preciso prestar muita atenção nas mensagens que o universo nos envia diariamente, porque pode estar nelas a nossa verdadeira riqueza.


História dos dois que sonharam

"O historiador árabe El Ixaqui narra este acontecimento:

Contam os homens dignos de fé (porém somente Alá é onisciente e poderoso e misericordioso e não dorme) que existiu no Cairo um homem possuidor de riquezas, porém tão magnânimo e liberal que perdeu-as todas, menos a casa de seu pai. Diante disso, viu-se forçado a trabalhar para ganhar seu pão. Trabalhou tanto, que o sono venceu-o uma noite sob uma figueira de seu jardim, e ele viu no sonho um homem empanturrado que tirou da boca uma moeda de ouro e lhe disse: “Tua fortuna está na Pérsia, em Ispahan; vai buscá-la”. Na madrugada seguinte acordou e empreendeu a longa viagem, afrontando os perigos dos desertos, dos navios, dos piratas, dos idólatras, dos rios, das feras e dos homens. Chegou finalmente a Ispahan, e no centro da cidade, no pátio de uma mesquita, deitou-se para dormir. Junto à mesquita havia uma casa, e, por vontade de Deus Todo-Poderoso, um bando de ladrões atravessou a mesquita, e meteu-se na casa, e as pessoas que aí dormiam, despertando com o barulho, pediram socorro. Os vizinhos também gritaram, até que o capitão dos guardas noturnos daquele distrito acudiu com seus homens e os bandoleiros fugiram pelo terraço. O capitão quis revistar a mesquita e lá deram com o homem do Cairo.; açoitaram-no de tal maneira com varas de bambu que ele quase morreu. Dois dias depois recobrou os sentidos na cadeia. O capitão mandou buscá-lo e disse: “Quem és tu e qual é a tua pátria?” O outro declarou: “Sou da famosa cidade do Cairo e meu nome é Mohamed el Magrebi”. O capitão perguntou-lhe: “ O que te trouxe à Pérsia?” O outro optou pela verdade e disse: “Um homem ordenou-me, em sonho, que eu viesse a Ispahan porque aí estava a minha fortuna. Já estou em Ispahan e vejo que essa fortuna que me prometeu devem ser as vergastadas que tão generosamente me deste”.

Diante de tais palavras o capitão riu tanto que se viam seus dentes do siso e , finalmente, lhe disse: “Homem desajuizado e crédulo, eu já sonhei três vezes com uma casa no Cairo no fundo da qual há um jardim, e nesse jardim um relógio de sol, e depois do relógio, uma figueira, e logo depois da figueira, uma fonte, e sob a fonte, um tesouro. Não dei o menor crédito a essa mentira e tu, produto de uma mula com um demônio, não obstante, vens errando de cidade em cidade baseado unicamente na fé no teu sonho. Que eu não volte a ver-te em Ispahan. Toma estas moedas e desaparece”.

O homem pegou as moedas e regressou a sua pátria. Sob a fonte de seu jardim (que era a mesma do sonho do capitão) desenterrou o tesouro. Assim Deus lhe deu sua benção, recompensou-o e enalteceu-o. Deus é o Generoso, o Oculto.

Do Livro das mil e uma noites (noite 351) "

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