quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Mal chegaram, os doutores cubanos já diagnosticaram nossa maior doença: falta de valores éticos e morais


 

 

 

 

 

 
 

Cubanos chegam e já diagnosticam a doença no Brasil

Artigo de Saul Leblon, extraído da Carta Maior reproduzido pelo Conversa Afiada:

Eles desembarcaram há apenas quatro dias.
Ainda nem começaram a trabalhar. Mas alguma coisa de essencial já foi diagnosticada entre nós, apenas com a sua presença.
Uma foto estampada na Folha de S. Paulo desta 3ª feira sintetiza a radiografia que essa visita adicionou ao diagnóstico da doença brasileira.
Um médico negro avança altivo pelo corredor polonês que espreme a sua passagem na chegada a Fortaleza, 2ª feira.
O funil do constrangimento é formado por jovens de jaleco da mesma cor alva da pele. Uivam, vaiam, ofendem o recém-chegado.
Recitam um texto inoculado diuturnamente em sua mente pelas cantanhêdes, os gasparis e assemelhados.
Centuriões de um conservadorismo rasteiro, mas incessante.
É força de justiça creditar a esse pelotão a paternidade da linhagem, capaz de cometer o que a foto cristalizou para a memória destes tempos.
 “Escravo!” “Escravo!” “Escravo!”.
Ecoa a falange cevada no pastejo da semi-informação, do preconceito e das tardes em shopping center.
Foi programada para cumprir esse papel, entre outros, de consequências até mais letais para a democracia e a civilização entre nós.
Um desembarque que em outros países seria motivo de festas, homenagens e bandas de música.
Aqui é emoldurado pelo espetáculo deprimente de uma classe média desprovida de discernimento sobre o país em que vive, o mundo que a cerca e as urgências da sociedade que lhe custeou o estudo.
Para que agora sabotasse a assistência cubana aos seus segmentos mais vulneráveis, aos quais ela se recusa a atender.
Os alvos da fúria deixaram família, rotinas e camaradagem para morar e socorrer habitantes de localidades das quais nunca ouviram falar.
Mas que a maioria dos brasileiros também sequer desconfia que existam.
Com o agravante de que ali talvez jamais pousem seus pés. Coisa que os cubanos farão. Por três anos.
E que graças a eles, agora saberemos que existem.
Se o governo for safo – espera-se que seja – fará do Mais Médico uma ponte de conexão de nós com nós mesmos.
O futuro da democracia agradecerá.
Os pilares dessa ponte, de qualquer forma, são os que transitam agora altivos diante da recepção que indigna o Brasil aos olhos do mundo.
Perfis médicos ainda improváveis entre nós, apesar do Prouni e das cotas satanizadas pela mesma cepa mental adestrada em compor corredores e funis.
Nem sempre físicos, como agora.
Mas permanentemente intolerantes, na defesa da exclusão e do privilégio.
Formados em uma ilha do Caribe desguarnecida de recursos, por uma escola de medicina que contorna a tecnologia cara, apurando a excelência do exame clínico – aquele em que o médico demora uma hora ou mais com o paciente, rastreando o seu metabolismo – eles passarão a cuidar da gente brasileira pobre e anônima. (Leia a excelente entrevista de Najla Passos com a doutora Ceramides Carbonell sobre a formação de um médico em Cuba).
Campos Alegres de Lourdes, Mansidão, Carinhanha, beira do São Francisco, Cocos, Sítio do Quinto, Souto Soares… Quem conhece esse Brasil?
É para lá que eles vão. E para mais 3.500 outras localidades.
Um Brasil esquecido, em muitos casos, mantido na soleira da porta, do lado de fora do mercado e da cidadania.
Que sempre esteve aí. Mas que agora, pasmem, terá um sujeito interessado em ouvir o que sua agente tem a dizer, esforçando-se por entender pronúncias que até nós, os locais, teríamos dificuldade de discernir.
O ‘doutor de Cuba’ de fala estrangeira e jeito parecido com a gente estará ali.
A examinar, apalpar dores, curar vermes, prescrever cuidados, encaminhar cirurgias, ouvir e confortar.
Com remédios, atenção e esperança.
Houve um tempo em que essas expedições a um Brasil distante do mar eram feitas por brasileiros, e de classe média.
Protagonistas de um relato épico, de nacionalismo não raro ingênuo. Mas que aproximava e treinava o olhar do país sobre ele mesmo.
Coisa que a hiper-conexão disponível agora poderia fazer até melhor.
Não fosse a determinação superior de afastar e dissimular, o que muitas vezes se alcança destacando o pitoresco.
Em detrimento do principal: as questões do nosso tempo, do nosso desenvolvimento, as escolhas que elas nos cobram. E os interesses que as bloqueiam.
Tivemos a Coluna Prestes, nos anos 20.
Os irmãos Vilas Boas, apoiados por malucos como Darcy Ribeiro e entusiastas como Antonio Calado, fizeram isso nos anos 40/50 e início dos 60, quando foi criado o Parque Nacional do Xingu.
Trouxeram a boca do sertão para mais perto do olhar litorâneo e urbano.
Desbastavam distancias a facão.
Na raça, traziam horizontes, aproximavam rios, tribos, desafios e, de alguma forma, semeavam um espírito de pertencimento a algo maior que a linha do mar e a calçada de Copacabana.
A utopia geográfica, se por um lado borrava os conflitos de classe, ao mesmo tempo colidia com o país real que os esperava em cada socavão, de trincas sociais, fundiárias, étnicas e econômicas avessas à neblina da glamorização.
Paschoal Carlos Magno, a UNE e o CPC, o Centro Popular de Cultura, fariam o mesmo nos anos 60, antes do golpe militar.
As famosas ‘Caravanas do CPC’ rasgaram o mapa do sertão.
Desceriam o São Francisco nas gaiolas lendárias para garimpar e irradiar a cultura popular em lugares onde agora, possivelmente, um doutor cubano irá se instalar.
Caso de Carinhanha, por exemplo, um dos mais belos entardeceres do São Francisco.
Onde foi que a seta do tempo se quebrou?
Por que já não seduz a grande aventura de nossa própria construção?
Uma leitora de Carta Maior, Odette Carvalho de Lima Seabra, resume em comentário enviado ao site o núcleo duro do problema. “ A geração dos nossos jovens doutores”, escreve, “ jamais compreenderá de que se trata. Foram criados nos shopping centers. A escola secundária limitadíssima no seu alcance humanístico os fez também vítimas sem que o saibam que são. Uma revolução que durou vinte anos e cujo sentido era o de esvaziar de sentido a vida de todos nós deixou no seu rescaldo, esse bando de jovens, como são os nossos doutores, muito alienados. É tempo de aprender com os cubanos”, conclui Odette.
Colocado nos seus devidos termos, o impasse readquire a clareza histórica de que se ressente a busca de soluções.
Entre indignado e estupefato, o conservadorismo nega aos visitantes cubanos outra referência de exercício da medicina que não a dos valores argentários.
Ética médica, solidariedade, internacionalismo e humanismo formam uma constelação incompreensível a quem divide o mundo entre consumidores e escravos.
À esquerda, no entanto, cabe também evitar simplificações.
Se quiser enxergar a real abrangência das tarefas em curso, é preciso admitir que não estamos diante de uma batalha entre anjos e demônios.
Os médicos do Caribe não nascem bonzinhos. Tampouco endemoninhados, os dos trópicos.
Eles são formados assim. Por instituições.
A escola, por certo, mas a mídia, sem dúvida, que a completa pelo resto da vida.
É vital que o governo, lideranças sociais e os intelectuais compreendam o fundamental em jogo.
Se quisermos colher frutos duradouros com o ‘Mais Médicos’, o passo seguinte do programa terá que ser a reforma universitária brasileira.
Que reaproxime universidade e a juventude das grandes tarefas coletivas do nosso tempo.
As diferenças entre a formação do cubano hostilizado na chegada a Fortaleza, e aqueles que o ofendiam não são apenas de ordem técnica.
Mas, sobretudo, de discernimento diante do mundo.
A ponto de um não achar estranho sair de seu país para ajudar um outro.
Nem considerar despropositado que parte de seu ganho se transforme em fundo público de reinvestimento.
O oposto das convicções dos que o agraciavam com o corolário de sua própria servidão.
Esse talvez seja o aspecto mais chocante da visita que acaba de chegar.
E, sobretudo, o mais instrutivo.
Ela escancara a doença social que corrói o nosso metabolismo. E adverte para as limitações que irradia.
Na sociedade que estamos construindo.
Na mentalidade que vai se sedimentando. No risco que ela incide sobre o todo.
Para que o ‘Mais Médicos’ um dia possa ser dispensável, o Brasil precisa se tornar ele próprio um grande ‘Mais Solidariedade’.
Como faz Cuba desde 1959, com todos os seus erros, acertos e percalços.

domingo, 25 de agosto de 2013

Isso é que eu chamo de um tapa na cara, muito bem dado!

  

 

Tijolaço ao Dr CRM:
core diante desta negra !

Publicado em 25/08/2013

Da xenofobia ao racismo é rapidinho.
 
 
O Conversa Afiada reproduz es-pe-ta-cu-lar post do Fernando Brito, que trabalhou com o engenheiro Leonel Brizola: dá para perceber …Corem diante desta negra, doutores! Ela tem o que os senhores perderam


“Somos médicos por vocação, não nos interessa um salário, fazemos por amor”, afirmou Nelson Rodrigues, 45.

“Nossa motivação é a solidariedade”, assegurou Milagros Cardenas Lopes, 61

“Viemos para ajudar, colaborar, complementar com os médicos brasileiros”, destacou Cardenas em resposta à suspeita de trabalho escravo. “O salário é suficiente”, complementou Natasha Romero Sanches, 44.

Poucas frases, mas que soam  como se estivessem sendo ditas por seres de outro planeta no Brasil que vivemos.

O que disseram
os primeiros médicos cubanos do  grupo que vem para servir onde médicos brasileiros não querem ir deveria fazer certos dirigentes da medicina brasileira reduzirem à pequenez de seus sentimentos e à brutalidade de suas vidas, de onde se foi, há muito tempo, qualquer amor à igualdade essencial entre todos os seres humanos.

Porque gente que não se emociona com o sofrimento e a carência de seus semelhantes, gente que se formou, muitas vezes, em escolas de medicina pagas com o imposto que brasileiros miseráveis recolheram sobre sua farinha, seu feijão, sua rala ração, gente que já viu seus concidadãos madrugando em filas, no sereno, para obter um simples atendimento, gente assim    não é civilizada, não importa quão bem tratadas ejam suas unhas, penteados os seus cabelos e reluzentes seus carros.

Perto desta negra aí da foto, que para vocês só poderia servir para lavar suas roupas e pajear seus ricos filhinhos, criados para herdar o “negócio” dos pais, vocês nao passam de selvagens, de brutos.

Vocês podem saber quais são as mais recentes drogas, aprendidas nos congressos em locais turísticos, custeados por laboratórios que lhes dão as migalhas do lucro bilionário que têm ao vender remédios. Vocês podem conhecer o último e caro exame de medicina nuclear disponível na praça a quem pode pagar. Vocês podem ser ricos, ou acharem que são, porque de verdade não passam de uma subnobreza deplorável, que acha o máximo ir a Miami.

Mas vocês são lixo perto dessa negra, a Doutora – sim, Doutora, negra, negrinha assim!- Natasha é, eu lhes garanto.

Sabem por que? Por que ela é capaz de achar que o que faz é mais importante do que aquilo que ganha, desde que isso seja o suficiente para viver com dignidade material. Porque a dignidade moral ela a tem, em quantdade suficiente para saber que é uma médica, por cem, mil ou um milhão de dólares.

Isso, doutores, os senhores já perderam. E talvez nunca mais voltem a ter, porque isso não se compra, não se vende, não se aluga, como muitos dos senhores, para manter o status de pertenceram ao corpo clínico de um hospital, fazem com seus colegas, para que dêem o plantão em seus lugares.

Os senhores não são capazes de fazer um milésimo do que ela faz pelos seres humenos, desembarcando sob sua hostilidade num paìs estrangeiro, para tratar de gente pobre que os senhores nao se dispõem a cuidar nem querem deixar que se cuide.

Os senhores nao gritaram, não xingaram nem ameaçaram com polícia aos Roger Abdelmassih, o estuprador, nem contra o infleiz que extorquiu R$ 1.200 para fazer o parto de uma adolescente pobre, nem contra os doutores dos dedos de silicone, nem contra os espertalhóes da maternidade paulista cuja única atividade era bater o ponto.

Eles não os ameaçaram, ameaçaram apenas aos pobres do Brasil.

Estes aì, sim, estes os ameaçam. Ameaçam a aceitação do que vocês se tornaram, porque deixaram que a aspiração normal e justa de receber por seu trabalho se tornasse maior do que a finalidade deste próprio trabalho, porque o trabalho é um bem social e coletivo, ou então vira mero negócio mercantil.

É isto que estes médicos cubanos representam de ameaça: o colocar o egoísmo, o consumismo, o mercantilismo reduzidos ao seu tamenho, a algo que não é e nem pode ser o tamanho da civilização humana.

Aliás, é isso que Cuba, há quase 55 anos, representa.

Um país minùsculo, cheio de carências, que é capaz de dar a mão dos médicos a este gigante brasileiro.

E daí que eles exportem médicos como fonte de receita? Nós não exportamos nossos meninos para jogar futebol? O que deu mais trabalho, mais investimento, o que agregou mais valor a um país: escolas de medicina ou esteiras rolantes para exportar seus minérios?

É por isso que o velhissimo Fidel Castro encarna muito mais a  juventude que estes yuppies coxinhas, cuja vida sem causa  cabe toda dentro de um cartão de crédito.

Eu agradeço à Doutora Natasha.

Ela me lembrou, singelamente, que coração é algo muito maior  do que aquele volume que aparece, sombrio, nas tantas ressonâncias, tomografias e cateterismos porque passei nos últimos meses.

Ele é o centro do progresso humano, mais do que o cérebro, porque é ele quem dá o norte, o sentido, o rumo dos pensamentos e da vida.

Porque, do contrário, o saber vira arrogância e os sentimentos, indiferença.

E o coração, como na música de Mercedes Sosa, "una mala palabra".


Por: Fernando Brito

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Malvadeza Durão no WidBook!


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Malvadeza Durão

Description
Romance policial que tem como cenário o Rio de Janeiro dos anos dourados, repleto de personagens pitorescos em uma trama eletrizante. A história, narrada por um repórter policial, conta a trajetória de Hélcio Lima que, depois de ver seu pai ser assassinado, decide sair do Rio de Janeiro. Ao retornar, dez anos depois, tem que encarar outra tragédia familiar: a morte do irmão, também assassinado. Inconformado com o descaso da polícia, resolve fazer justiça pelas próprias mãos, enfrentando agentes públicos corruptos e perigosos contraventores. Nasce, assim, Malvadeza Durão."
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Pessoal, quem quiser ler o meu livro Malvadeza Durão, é só clicar no ícone da capa aqui na coluna do lado. Se quiser, pode fazer seus comentários lá no WidBook ou aqui mesmo no blog. Obrigado.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Vamos resistir mesmo assim!




 

 

 

 

 

 

 

 

Sobre a relevância dos blogs na internet

 Enviado por luisnassif, qua, 21/08/2013 - 10:52 

 Sugerido por alfeu


Do Observatório da Imprensa


Os blogs resistem 


Por Carlos Emerson Junior 


Os blogs ainda são relevantes? A pergunta é pertinente já que com a explosão das redes sociais muita gente boa, entusiasmada com o retorno imediato das tuitadas da vida, fechou ou abandonou seus bloguinhos.


Blogs são que nem impressões digitais. Não existe um igual ao outro e o que postamos por lá está sempre ao alcance de qualquer um, a qualquer hora. Aliás, e não por acaso, o veterano blogueiro Alexandre Inagaki deixou uma ótima definição:


“Blog é liberdade. Nada me soa mais antinatural do que a cagação de regras para uma entidade tão anárquica e descentralizada como a blogosfera. Que, diga-se de passagem, é uma e são muitas, como bem exemplificam os blogs de moda, de policiais militares, de eco ativistas, publicitários, miguxos, prostitutas, professores, escritores, yada yada yada. Blogs são meios de publicação como outro qualquer, que podem e devem ser utilizados das maneiras mais amplas e diversas possíveis.”


O escritor, jornalista e blogueiro Glenn Grenwald, autor das matérias do The Guardian sobre a espionagem da NSA, não titubeia em afirmar que “a imprensa mudou e, ao contrário do que pensam alguns conservadores, todos os jornais hoje precisam de blogs porque eles é que atraem leitores”.


Decididamente, os blogs são cada vez mais relevantes.


Ética, educação e respeito.


Muita gente boa acredita que blogueiros e jornalistas, não necessariamente nesta ordem e guardando as devidas diferenças, na falta de melhor ou qualquer assunto escolhem aleatoriamente uma criatura para vítima, atribuindo-lhe todos os males do mundo.


Não, meus caros, a coisa não funciona assim, a não ser em regimes onde a liberdade de expressão seja mera peça de ficção. Aliás, a jornalista Maria Helena Rubinato ensina que “não é a imprensa que gera as manchetes, ela apenas as reproduz”.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Machado X Eça





















Furacão Eça impulsiona criação de Machado de Assis, uma tese
Enviado por luisnassif, dom, 18/08/2013 - 11:44
Enviado por Tamára Baranov
Da Folha / UOL

Inveja de Eça de Queiroz teria motivado criação de 'Memórias Póstumas de Brás Cubas'

MARCO RODRIGO ALMEIDA
DE SÃO PAULO


Uma certa mulher de olhos oblíquos e dissimulados não é o único mistério da obra de Machado de Assis (1839-1908).

Muita página já foi gasta com a dúvida torturante: Capitu traiu ou não Bentinho, o ciumento narrador de "Dom Casmurro" (1899)?

Mas um outro dilema, ainda mais antigo e, aparentemente, tão insolúvel quanto, atormenta alguns professores e pesquisadores: o que explica o salto abissal de qualidade de Machado a partir de "Memórias Póstumas de Brás Cubas", em 1880?

João Cezar de Castro Rocha, crítico e professor de literatura da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, dedicou-se a essa questão, com lupas de detetive, na última década. O resultado está no livro "Machado de Assis: Por Uma Poética da Emulação".

O professor argumenta que o pulo do gato que propiciou a passagem do "Machadinho" do início da carreira ao "Machadão", nome maior da literatura brasileira, teve origem na rivalidade com o português Eça de Queiroz (1845-1900).

Tudo teria começado em fevereiro de 1878, quando "O Primo Basílio", de Eça, foi publicado no Brasil. A relação adúltera de Luísa com o primo e as críticas demolidoras aos costumes da burguesia de Lisboa escandalizaram leitores dos dois continentes.
Machado, em dois artigos publicados em abril do mesmo ano, fez severas restrições à trama. Apontou falhas estruturais, condenou a inconsistência psicológica de Luísa e descreveu a relação entre os primos como "um incidente erótico, sem relevo, repugnante, vulgar".

"A análise de Machado foi considerada um dos pontos altos de seu exercício crítico, mas é esteticamente tradicional e moralmente conservadora", diz Castro Rocha.
Quando publicou os dois ensaios sobre Eça, Machado era autor de quatro romances ("Ressurreição", "A Mão e a Luva", "Helena" e "Iaiá Garcia"), "corretos, regulares e medíocres", na visão do professor. "São histórias de corte tradicional, em que todos os elementos são esclarecidos pelo narrador."

Mas o furacão Eça apareceu no meio do caminho do comedido escritor brasileiro. Para Castro Rocha, a consagração de um escritor mais moço e que também escrevia em português agudizou a insatisfação de Machado com seus próprios romances e o levou a uma reformulação radical.
Em dezembro de 1878, seriamente enfermo, o "bruxo do Cosme Velho" partiu para uma temporada em Nova Friburgo. Voltou de lá, três meses depois, com o primeiro esboço de "Memórias Póstumas de Brás Cubas", furacão ainda mais avassalador que o de Eça.

A narrativa do "defunto autor", irônica, fragmentária, inventiva, foi um divisor de águas na literatura nacional e inaugurou a grande fase do autor nos contos e romances ("Quincas Borba", "Dom Casmurro").

A chave para essa reinvenção, defende Castro Rocha, está na "poética da emulação" do título de seu estudo. Machado abasteceu-se do cânone literário (em "Brás Cubas", o caldeirão inclui a Bíblia, Xavier de Maistre, Sterne, Shakespeare e muito mais) de forma despudorada, criando a partir disso uma obra inovadora.

Teria Machado, então, escrito sua primeira obra-prima com a pena da galhofa, a tinta da melancolia e os papiros da inveja? "Inveja no sentido de produzir algo tão bom quanto. Trata-se de uma rivalidade estética com Eça que o levou a se arriscar. A tese é controversa, e não tenho a pretensão de que seja a única explicação. Machado é complexo demais para ser resumido", diz.


sábado, 17 de agosto de 2013

Mais um para o universo literário. Mas valerá a pena?

























Digestivo Cultural
Quarta-feira, 14/8/2013
Digam a Satã que estreei
Luiz Rebinski Junior



Se Daniel Pellizzari não tivesse sido contemplado com estadia na capital irlandesa, onde passou 32 dias com o objetivo de escrever uma "história de amor", valeria a pena o escritor juntar um troquinho e se bandear pro outro lado do oceano por conta própria. A viagem, diferentemente do que ocorreu com a maioria dos colegas que partiram para estadias em cidades hypadas do planeta, fez bem ao amazonense-gaúcho, que até aqui havia apenas treinado a escrita de romances.

Alguns títulos da coleção Amores Expressos não conseguiram escapar de certo "olhar brasileiro" diante de um país culturalmente muito diferente. O que não ocorre com Digam a Satã que o recado foi entendido, a história que Pellizzari supostamente gestou em seus dias de Dublin. Ainda que o título espalhafatoso não dê conta de dizer sobre o que é o livro, só a curva feita pelo autor para desviar de Joyce — o que não é fácil, pois o cara deve ter a onipresença de um Pelé na Irlanda — já vale um elogio. No entanto, para além das manobras certeiras, o romance de Pellizzari traz personagens tão interessantes e donos de suas histórias que nem um brasileiro com o nome de Magnus Factor (a coisa mais fake do livro) ofusca o romance. Magnus, que é o personagem principal do livro, mas não o mais interessante, honra o nome gringo que tem ao destilar um conhecimento enciclopédico e "orgânico" da Irlanda. Dizem que o autor é um pesquisador da cultura irlandesa e que há anos se interessa pela região. Eu acredito.

Magnus trabalha em uma empresa que promove passeios por lugares obscuros de Dublin. Vive com uma polonesa que faz estripe em uma boate à noite — mas jura que não dá para ninguém — e é sócio de dois imigrantes e de um genuíno irlandês, um tal Barry, esse sim o personagem mais singular do romance. Barry encarna alguns clichês do irlandês — o que para mim, como leitor, não chega a ser problema, pois sou um homem que acredita piamente em muitos clichês —, é um beberrão, acha que toda mulher "é apenas um furo", acredita que os negros são comparáveis a uma subespécie e que os emigrantes fazem parte da escória da sociedade. Mas diz isso com muita graça e até alguma poesia, acreditem. Ou seja, Barry é um ser misógino, racista e tarado. Por isso mesmo parece bastante verdadeiro. Afinal, é nascido e criado na Europa, um lugar que não é, digamos, o paraíso da fraternidade.

O cara fala tudo errado, mas no fundo de sua ignorância pululam pensamentos lapidares sobre temas nacionais como "mulheres que cheiram cocaína", "campanhas contra a gonorreia" e "a falta de asseio dos neo-hippies". Barry mantém parentesco com Zeca, esse sim brasileiro nato, que povoa a Pornopopéia de Reinaldo Moraes. Mas digamos que Barry é menos escolarizado, mas, contraditoriamente, mais politizado do que o hedonista saído da mente de Moraes. O espectro de Irvine Welsh também ronda o romance de Pellizzari, que é o tradutor de Trainspotting, talvez o mais emblemático romance sobre os anos 1990. Assim como o livro de Welsh, Digam a satã que o recado foi entendido faz uma espécie de inventário de um grupo peculiar de jovens perdidos em meio à difícil tarefa que é viver.

"Uma carne imigrante arreganhada na minha frente e eu sem poder botar para dentro. Nunca mais, parcêro. Pode anotar aí. Camisinha nunca mais. O recado foi entendido. Se você acha camisinha inconveniente, experimente ter gonorreia. Ah, mas vai se foder. Chupa minhas prega bem gostoso, bichona do governo que inventou essa campanha de merda. Cê acha gonorreia inconveniente? Então experimente não comer ninguém, ô filho da puta", diz um dos trechos em que Barry apresenta ao leitor uma questão filosófica e existencial no mínimo intrigante.

Barry, depois de quase estuprar Stefanija, a namorada polonesa de Magnus, e matar acidentalmente a avó de Stuart, o malucão que lhe deu um teto para morar, acaba decapitado e com a cabeça boiando em um rio por conta de dívidas não pagas a traficantes gregos.

Entre a história malfadada da empresa de tour e a morte de Barry, outras narrativas se desenvolvem. Uma delas é a história de um deus-serpente irlandês. Pode ser que eu tenha cochilado nessa parte, mas realmente não entendi o que essa história tem a ver com o restante do livro. Junto com referências infantilóides a jogos de vídeo-game e descrições sobre o sabor do milk-shake e dos sanduíches vendidos em Dublin, é a pior parte do livro.

Mas, em um romance relativamente curto, Pellizzari conseguiu escrever uma narrativa com várias vozes interessantes. Além de Barry e Magnus, há outras narrativas no meio da trama que ajudam a moldar a história. A linearidade do romance, que não é exatamente linear, é composta por narradores diferentes. Apesar de alguns deslizes, o autor construiu um mosaico que se encaixa muito bem. A estranheza de estar em um lugar distante certamente é discussão mais relevante levantada no livro. Algo que parece tão cafona nos dias de hoje, um tempo de internacionalização da cultura, virou um grande tema literário nas páginas do romance de Pellizzari.

No momento em que parte da jovem literatura brasileira parece ter caído de paixão pelas tramas internacionais (o que transcende os livros da coleção Amores Expressos), com personagens estrangeiros que trazem em seus genes as marcas da globalização, Digam a satã que o recado foi entendido talvez figure, ao lado dos livros "estrangeiros" de Bernardo Carvalho, como um ponto alto dessa "tendência". Ah, a história de amor? Isso, acredite, é o que menos importa nesse livro que é a real estreia de Daniel Pellizzari na literatura nacional.