terça-feira, 30 de junho de 2009

Assassinos S/A


Finalmente, saiu o release e o convite da antologia ASSASSINOS S/A, da editora Multifoco, do Rio de Janeiro. Estou entre os vinte autores que fazem parte desse livro, fato que me orgulha, pois fomos escolhidos entre mais de quinhentos inscritos, segundo a editora, Jana Lauxen. Depois anuncio quando e onde o livro estará disponível. Ah, estou nessa antologia com o conto A Festa de Aniversário.


domingo, 28 de junho de 2009

Indignação






















Aqui vai um artigo da escritora e cronista, Jana Lauxen, gauchinha da maior qualidade e criatura cabeça da blogosfera. A guria externa, de forma direta, através de sua escrita, toda a sua indignação com a demonstração de racismo que aconteceu, recentemente, no Mineirão no jogo entre Grêmio e Cruzeiro.

"MACACO

Por Jana Lauxen

Quarta-feira de noite teve jogo de futebol com time do Rio Grande do Sul. Era o Grêmio, disputando a primeira partida da semifinal da Libertadores contra o Cruzeiro. Perdeu, por 3 x 1.

Fato corriqueiro e que, de jeito nenhum, mereceria um post neste blog, não fossem dois personagens que inverteram toda a história e importância deste jogo.

Ninguém falou na derrota de um nem na vitória de outro, tudo porque Maxi López, jogador gremista e argentino, chamou Elicarlos, cruzeirense e negro, de macaco, durante o segundo tempo da partida.

Assim que deixou o campo, Elicarlos encontrou o microfone de um repórter e desabafou: estou indo agora para a delegacia fazer uma denúncia contra o hermano racista.

E foi mesmo.

Louvado seja Elicarlos.

Porque é muito importante que, sempre, sempre, SEMPRE que formos alvos de preconceito ou presenciarmos alguém sendo, colocar a boca no trombone e mandar ver.

Não dá para engolir e muito menos acreditar que, em pleno ano de Obama no poder e Copa das Confederações na África do Sul (com seus discursos e cartazes anti-segregação racial) absurdos deste tipo aconteçam por aí, impunemente.

O racismo é estúpido, é nojento, é repugnante, além de ser feio, muito feio!

A pessoa que ainda não entendeu que a cor da pele é apenas e nada mais que a cor da pele, deveria ser proibida de sair na rua.

Deveria até ser proibida de existir.

Mas não.

Elas podem existir, podem sair nas ruas e podem até se tornar ídolos do futebol, como é o caso do nosso querido amigo Maxi. Que, como todo bom preconceituoso, tratou logo de se defender dizendo que “o que é dito dentro do campo deve ficar dentro do campo” e, para arrematar: nem sabia o que significava a expressão macaco.

Disse que não disse, e que tudo não passou de uma “má interpretação” de Elicarlos, o ofendido. Me engana que eu gosto, el manézão.

E sabem vocês por que duvideodó que Maxi não sabia o que significava a expressão macaco? Porque os gremistas têm a tradição milenar de chamar os colorados (do Internacional, time rival aqui no sul) de macaco.

Sim, é fato.

Eu mesma, que sou quase transparente de tão branca, já precisei ouvir tal desaforo, e só não fui para a delegacia também porque o delegado certamente iria rir da minha cara branca.

O Grêmio – e isso não sou eu quem está dizendo, é a história – quando surgiu, em meados de 1903, era um time de elite onde negro não entrava.

É verdade, verifiquem os anais se estão duvidando.

Não podia, era proibido.

E foi só por causa disso que surgiu o Internacional: para que os negros, mulatos e pobres em geral que pipocavam Brasil afora pudessem ter um time para chamar de seu.

Desde aí vem o termo: macaco, macacada, macaquinho.

O Beira-Rio até ganhou o carinhoso apelido de macacódromo.

“Nós, os brancos. Vocês, os pretos”.

Mas, é claro, nos dias de hoje o discurso oficial do Grêmio é outro: somos contra a segregação, somos contra o racismo, somos contra o preconceito, veja bem, temos até jogadores negros em nosso time.

E realmente, têm.

O que não torna, de maneira nenhuma, aceitável o fato de que um dos jogadores, um ídolo do time, um alemão aguado com cara de quem comeu e não gostou, saia por aí chamando seus colegas de campo de macacos.

Por isso, estou com Elicarlos e não abro.

Acho que não somente ele, mas todo mundo que anda sobre este chão, tem o direito e, acima de tudo, o dever de frear estes impulsos racistas que, vez em quando, saltam boca afora de branquelos mal educados e sem noção.

É preciso denunciar, vaiar, fazer um gritedo.

Enquanto nós, os bons, ficarmos calados diante de injustiças deste porte, eles, os ruins, continuarão a se vangloriar de sua pele alva e seus olhos estupidamente azuis, achando-se, realmente e comicamente, superiores.

Em tempo: antes que me atirem aos leões, gremistas de todo meu querido Rio Grande do Sul, saibam que eu sei que nem só de Maxis López se faz o time do Grêmio. Entendo isso, e entendo muito bem.

Mas juro que gostaria de entender também porque Maxi foi o jogador mais aplaudido quando desceu no aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, ontem de tarde. Digam-me, meus caros: o que vocês aplaudiam?"

quarta-feira, 24 de junho de 2009

O Morto de Borges




Enquanto ando atolado com problemas pessoais e relacionados a editoração de meu livro ONDE O DIABO PERDEU AS BOTAS, resolvi preencher este espaço com um excelente conto do escritor e pensador argentino Jorge Luis Borges. O referido texto me foi enviado pelo meu caro amigo historiador, Miguel Angel Rodriguez, um dos idealizadores do Grupo de Estudos e Discussão em Filosofia (filosofia_em_debate@grupos.com.br).



O MORTO

Por Jorge Luis Borges


Que um homem do subúrbio de Buenos Aires, que um triste compadrito sem mais virtude que a enfatuação da coragem, se interne nos desertos eqüestres da fronteira com o Brasil e chegue a capitão de contrabandistas, parece de antemão impossível. Aos que assim o entendem, quero contar o destino de Benjamín Otálora, de quem talvez não reste nenhuma lembrança no bairro de Balvanera e que morreu, a seu modo, de um balaço, nos confins do Rio Grande do Sul. Ignoro pormenores de sua aventura; quando me forem revelados, hei de retificar e ampliar estas páginas. Por ora este resumo pode ser útil.


Benjamín Otálora conta, por volta de 1891, dezenove anos. É um rapagão de fronte pequena, de sinceros olhos claros, com o vigor dos bascos; uma punhalada feliz revelou-lhe que é homem valente; não o inquieta a morte do adversário, tampouco a imediata necessidade de fugir da República. O caudilho da paróquia dá-lhe uma carta para um tal Azevedo Bandeira, do Uruguai. Otálora embarca, a travessia é tormentosa e rangente; no outro dia, vagueia pelas ruas de Montevidéu, com inconfessada e talvez ignorada tristeza. Não encontra Azevedo Bandeira; pela meia-noite, num armazém do Paso del Molino, assiste a uma discussão entre alguns tropeiros. Um punhal rebrilha; Otálora não sabe de que lado está a razão, mas o atrai o puro sabor do perigo, como a outros o baralho ou a música. Segura, no entrevem, uma punhalada baixa que um peão desfere contra um homem de chapéu escuro e de poncho. Este, depois, resulta ser Azevedo Bandeira. (Otálora, ao sabê-lo, rasga a carta, porque prefere dever tudo a si mesmo.) Azevedo Bandeira, embora robusto, dá a injustificável impressão de aleijado; em seu rosto, sempre demasiado próximo, estão o judeu, o negro e o índio; em sua afetação, o macaco e o tigre; a cicatriz que lhe atravessa a face é mais um adorno, bem como o negro bigode cerdoso.


Projeção ou erro do álcool, a disputa cessa com a mesma rapidez com que se produziu. Otálora bebe com os tropeiros e depois os acompanha a uma farra e depois a umcasarão na Cidade Velha, já com o sol bem alto. No último pátio, que é de terra, os homens estendem os arreios para dormir. Obscuramente, Otálora compara essa noite com a anterior; agora já pisa terra firme, entre amigos. Inquieta-o algum remorso, isso sim, de não sentir saudades de Buenos Aires. Dorme até as seis, quando o desperta o paisano que, bêbado, agrediu Bandeira. (Otálora se lembra de que esse homem participou com os outros da noite de tumulto e de alegria e que Bandeira o sentou à sua direita e o obrigou a continuar bebendo.) O homem lhe diz que o patrão o manda buscar. Numa espécie de gabinete que dá para o vestíbulo (Otálora nunca viu um vestíbulo com portas laterais), Azevedo Bandeira o está esperando, com uma clara e desdenhosa mulher de cabelo ruivo. Bandeira examina-o, oferece-lhe um copo de aguardente, repete que ele parece um homem corajoso, propõe-lhe ir ao Norte com os demais para trazerem uma tropa. Otálora aceita; de madrugada, estão a caminho, rumo a Tacuarembó.


Começa então para Otálora uma vida diferente, uma vida de vastos amanheceres e de jornadas que têm o cheiro do cavalo. Essa vida é nova para ele, e às vezes atroz, mas já está em seu sangue, pois, assim como os homens de outras nações veneram e pressentem o mar, assim nós (também o homem que entretece estes símbolos) ansiamos pela planície interminável que ressoa sob os cascos. Otálora criou-se nos bairros de carreteiros e quarteadores; em menos de um ano se torna gaúcho. Aprende a montar, a entropilhar o gado, a carnear, a manejar o laço que subjuga e as boleadeiras que derrubam, a resistir ao sono, às tormentas, às geadas e ao sol, a tanger com o assobio e o grito. Só uma vez, durante esse tempo de aprendizado, vê Azevedo Bandeira, mas o tem muito presente, porque ser homem de Bandeira é ser considerado e temido, e porque, diante de qualquer gesto valente, os gaúchos dizem que Bandeira o faz melhor. Alguém opina que Bandeira nasceu do outro lado do Quaraí, no Rio Grande do Sul; isso, que deveria rebaixá-lo, obscuramente o enriquece de selvas populosas, de lamaçais, de inextricáveis e quase infinitas distâncias. Aos poucos, Otálora entende que os negócios de Bandeira são múltiplos e que o principal é o contrabando. Ser tropeiro é ser um criado; Otálora propõe-se ascender a contrabandista. Dois dos companheiros, numa noite, cruzarão a fronteira para voltar com algumas partidas de aguardente; Otálora provoca um deles, fere-o e toma seu lugar. Move-o a ambição e também uma obscura fidelidade. “Que o homem”, pensa, “acabe por entender que tenho mais valor que todos os seus orientais juntos”.


Outro ano passa antes que Otálora regresse a Montevidéu. Percorrem os arredores, a cidade (que a Otálora parece muito grande); chegam à casa do patrão; os homens estendem os arreios no último pátio. Passam os dias e Otálora não vê Bandeira. Dizem, com temor, que ele está enfermo; um homem moreno costuma subir a seu dormitório com a chaleira e o mate. Uma tarde, encarregam Otálora dessa tarefa. Ele sente-se vagamente humilhado, mas também satisfeito.


O dormitório é desmantelado e escuro. Há uma sacada para o poente, há uma longa mesa com uma resplandecente desordem de chicotes, de relhos, de cintos, de armas de fogo e de armas brancas, há um remoto espelho de cristal embaçado. Bandeira está de boca para cima; sonha e se lamenta; uma veemência de sol último o define. O enorme leito branco parece diminuí-lo e obscurecê-lo; Otálora observa os cabelos brancos, a fadiga, a debilidade, as rugas dos anos. Revolta-o que esse velho os esteja mandando. Pensa que um golpe bastaria para dar conta dele. Nisso, vê no espelho que alguém entrou. É a mulher de cabelo ruivo; está meio vestida e descalça, e o observa com fria curiosidade. Bandeira recompõe-se; enquanto fala de coisas da campanha e bebe um mate atrás do outro, seus dedos brincam com as tranças da mulher. Por fim, dá licença a Otálora para ir embora.


Dias depois, chega-lhes a ordem de irem para o Norte. Param em uma estância perdida, situada em qualquer lugar da interminável planície. Nem árvores nem um arroio a alegram, o primeiro sol e o último a golpeiam. Há currais de pedra para o gado, que tem grandes chifres e está necessitado. EI Suspiro é o nome desse pobre estabelecimento.

Otálora ouve na roda de peões que Bandeira não tardará a chegar de Montevidéu. Pergunta por quê; alguém esclarece que há um forasteiro agauchado que está querendo mandar demais. Otálora compreende que é um gracejo, mas lhe agrada que esse gracejo já seja possível. Verifica, depois, que Bandeira se inimizou com um dos chefes políticos e que este lhe retirou seu apoio. Ele gosta dessa notícia.


Chegam caixões de armas longas; chegam uma jarra e uma bacia de prata para o aposento da mulher; chegam cortinas de intrincado damasco; chega das coxilhas, numa manhã, um cavaleiro sombrio, de barba cerrada e de poncho. Chama-se Ulpiano Suárez e é o capanga ou guarda-costas de Azevedo Bandeira. Fala muito pouco e de maneira abrasileirada. Otálora não sabe se atribui sua reserva a hostilidade, a desdém ou a mera barbárie. Sabe, isso sim, que para o plano que está maquinando tem de ganhar a amizade dele.


Entra depois no destino de Benjamín Otálora um alazão de extremidades negras, que Azevedo Bandeira traz do sul e que ostenta arreios chapeados e carona com bordas de pele de tigre. Esse cavalo liberal é símbolo da autoridade do patrão e por isso o cobiça o rapaz, que chega também a desejar, com desejo rancoroso, a mulher de cabelos resplandecentes. A mulher, os arreios e o alazão são atributos ou adjetivos de um homem que ele aspira a destruir.


Aqui a história se complica e se afunda. Azevedo Bandeira é hábil na arte da intimidação progressiva, na satânica manobra de humilhar gradativamente o interlocutor, combinando seriedade e brincadeira; Otálora resolve aplicar esse método ambíguo à dura tarefa que se propõe. Resolve suplantar, lentamente, Azevedo Bandeira. Consegue, em jornadas de perigo comum, a amizade de Suárez. Confia-lhe seu plano; Suárez lhe promete sua ajuda. Muitas coisas vão acontecendo depois, das quais sei algumas poucas. Otálora não obedece a Bandeira; dá para esquecer, corrigir, inverter suas ordens. O universo parece conspirar com ele e apressa os fatos. Num meio-dia, ocorre em campos de Tacuarembó um tiroteio com gente rio-grandense; Otálora usurpa o lugar de Bandeira e comanda os orientais. Uma bala atravessa-lhe o ombro, mas nessa tarde regressa a EI Suspiro no alazão do chefe e nessa tarde umas gotas de seu sangue mancham a pele de tigre e nessa noite dorme com a mulher de cabelos reluzentes. Outras versões mudam a ordem desses fatos e negam que eles tenham acontecido em um único dia.

Bandeira, entretanto, continua sendo nominalmente o chefe. Dá ordens que não se executam; Benjamín Otálora não toca nele, por um misto de rotina e de pena.

A última cena da história corresponde à agitação da última noite de 1894. Nessa noite, os homens de EI Suspiro comem cordeiro recém-carneado e bebem um álcool pendenciador. Alguém infinitamente zangarreia uma trabalhosa milonga. Na cabeceira da mesa, Otálora, bêbado, ergue brinde atrás de brinde, em júbilo crescente; essa torre de vertigem é símbolo de seu irresistível destino. Bandeira, taciturno entre os que gritam, deixa que flua clamorosa a noite. Quando soam as doze badaladas, levanta-se como quem se lembra de uma obrigação. Levanta-se e bate com suavidade à porta da mulher. Ela abre em seguida, como se esperasse o chamado. Sai meio vestida e descalça. Com uma voz que se afemina e se arrasta, o chefe lhe ordena:

– Já que tu e o portenho se querem tanto, agora mesmo vais dar um beijo nele, à vista de todos.

Acresce uma circunstância brutal. A mulher quer resistir, mas dois homens a tomam pelo braço e a lançam sobre Otálora. Arrasada em lágrimas, beija-o no rosto e no peito. Ulpiano Suárez empunha o revólver. Otálora compreende, na iminência da morte, que o traíram desde o princípio, que foi condenado à morte, que lhe permitiram o amor, o mando e o triunfo porque já o davam por morto, porque para Bandeira ele já estava morto.

Suárez, quase com desdém, abre fogo.


domingo, 14 de junho de 2009

O texto da peça, "E aí, como vai?"




























Texto Hélio Jorge Cordeiro






O ELENCO:

PEDRO GUSTAVO:
Publicitário boa pinta, 55 anos

LUÍS ELÁDIO:
Desempregado, um tipo feio-simpático, 60 anos

O SET:
Uma praça.

A ÉPOCA E O LUGAR:
Nos tempos atuais em alguma capital do Brasil


ATO ÚNICO

(PEDRO GUSTAVO entra pelo lado esquerdo do palco, enquanto LUÍS ELÁDIO pelo direito. Os dois passam um pelo outro bem em frente a um banco de praça. Param, e voltam-se um para o outro, surpresos...)

PEDRO GUSTAVO
Não!

LUÍS ELÁDIO
Não, digo eu.

PEDRO GUSTAVO
LUÍS ELÁDIO?!

LUÍS ELÁDIO
PEDRO GUSTAVO?!

(os dois se aproximam sem ter certeza de que eles são as pessoas que eles estão pensando que são. Ficam próximo, e se observam)

PEDRO GUSTAVO & LUÍS ELÁDIO
Meu Deus! É você mesmo!

(os dois começam a se tocar, quando LUÍS ELÁDIO...)

LUÍS ELÁDIO
Porra, que frescura é essa?! Parece que somos dois alienígenas se encontrando numa galáxia nos cafundó do universo, porra!

PEDRO GUSTAVO
É, você tem razão. Mas, rapaz quanto tempo...

LUÍS ELÁDIO
Isso, digo eu. Quantos anos? 20?

PEDRO GUSTAVO
Hum, uns 25, talvez... A propósito, pra onde você tá indo?

LUÍS ELÁDIO
Eu? Pra...
(tentando encontrar uma palavra que lhe dê status)
Uma... Uma reunião. É, pra uma reunião importante. Importantíssima! E você?
PEDRO GUSTAVO
Eu? Hum... Pra uma reunião também!

PEDRO GUSTAVO & LUÍS ELÁDIO
Porra, que coincidência!

LUÍS ELÁDIO
(aponta pro banco)
Vamos sentar?

(os dois se sentam no banco)

LUÍS ELÁDIO
Então? O que tu anda fazendo todos esses anos?

PEDRO GUSTAVO
Eu? Bem, uma porrada de coisas...

LUÍS ELÁDIO
Como assim, “uma porrada de coisas”?

PEDRO GUSTAVO
Depois daquele tempo, eu fiz um montão de coisas...

(LUÍS ELÁDIO fica esperando PEDRO GUSTAVO continuar)

LUÍS ELÁDIO
E?... PEDRO GUSTAVO?

PEDRO GUSTAVO
E, o quê mais?

LUÍS ELÁDIO
É... E daí, meu? Que porra tu fez por esses anos todos?

PEDRO GUSTAVO
Ah, trabalhei como escriturário, arquivista, chefe de almoxarifado, guarda livros...

(LUÍS ELÁDIO espera um pouco e...)

LUÍS ELÁDIO
Porra!

PEDRO GUSTAVO
E você?

LUÍS ELÁDIO
Eu? Humm... Me alistei no exército.

PEDRO GUSTAVO
E...

LUÍS ELÁDIO
E, o quê?

PEDRO GUSTAVO
Depois do exército?

LUÍS ELÁDIO
Depois do exército?

PEDRO GUSTAVO
An-han.

LUÍS ELÁDIO
Eu... Não fiz mais nada.

PEDRO GUSTAVO
Como, mais nada?!

LUÍS ELÁDIO
Mais nada. Na-da!

PEDRO GUSTAVO
(decepcionado)
Hum, sei...

(os dois ficam em silêncio por alguns instantes...)

PEDRO GUSTAVO
Vamos ver se a tua memória ta boa... Tu lembras o Fernando?

LUÍS ELÁDIO
Fernando?
(fica pensando)
Não.

PEDRO GUSTAVO
Fernando, aquele que pagava todas as nossas cervejas no fim de semana?



LUÍS ELÁDIO
Hummm... Não.

PEDRO GUSTAVO
(decepcionado)
Sei...
(tentando recuperar o ânimo)
Hummm.... E do Lindon?

LUÍS ELÁDIO
Lindon? Hummmm...

PEDRO GUSTAVO
É! Lindon.

LUÍS ELÁDIO
Hummm...
(pensando)
Acho que também não...

(PEDRO GUSTAVO começa a ficar impaciente)

PEDRO GUSTAVO
Porra, cara! Vê se tu puxa pela memória. O Lindon tinha uma irmã chamada Lindinalva... Lembrou alguma coisa?

(LUÍS ELÁDIO pensa por alguns instantes)

LUÍS ELÁDIO
Dá pra falar mais dela?

PEDRO GUSTAVO
Porra! Essa não! Vamos lá. Lindinalva ia muito naquele barzinho... Como era mesmo o nome dele? Meu Deus! Agora sou eu que não me lembro do nome da porra do barzinho...

LUÍS ELÁDIO
O Lhama?

PEDRO GUSTAVO
Puta que pariú! O Lhama! Como eu fui esquecer o Lhama? Era só lembrar o bar do peruano, porra?

LUÍS ELÁDIO
Peruano?


PEDRO GUSTAVO
(virando os olhos)
Cacete! Deixa pra lá... O cara era cearense!

LUÍS ELÁDIO
E a Lindinalva?

PEDRO GUSTAVO
Que Lindinalva?

LUÍS ELÁDIO
Essa, não!

PEDRO GUSTAVO
Siiiimmm! Claro, claro. A Lindinalva! Então, a Lindinalva ia sempre ao Lhama, e a gente apostava quem ia ficar com ela no fim da noite...

LUÍS ELÁDIO
Pobre, Lindon.

PEDRO GUSTAVO
(surpreso)
Lindon? O que tem o Lindon?

LUÍS ELÁDIO
Quem era mesmo que comia o Lindon?

(os dois se entre olham sérios e ficam em silêncio por alguns momentos)

PEDRO GUSTAVO
Você está morando no mesmo bairro?

LUÍS ELÁDIO
Não, me mudei faz uns 20... Ah, faz muito tempo.

PEDRO GUSTAVO
Eu também.

LUÍS ELÁDIO
Que se mudou faz muito tempo?

PEDRO GUSTAVO
Não, que comia a Lindinalva, rapaz!


LUÍS ELÁDIO
A gente tá falando todo esse tempo, e eu te não perguntei uma coisa...

PEDRO GUSTAVO
O quê?

LUÍS ELÁDIO
Você faz o quê, agora?
(mais que depressa...)
Além de ta conversando comigo, claro...

PEDRO GUSTAVO
Eu sou publicitário.

LUÍS ELÁDIO
Como assim, publicitário?

PEDRO GUSTAVO
Num tô entendendo...”Como assim publicitário?” Você sabe o que é ser publicitário?

LUÍS ELÁDIO
Humm... Acho que sei!

PEDRO GUSTAVO
E o que é ser publicitário?

LUÍS ELÁDIO
Ser publicitário... Ser publicitário... É ser mentiroso?

(eles ficam se olhando em silêncio por alguns instantes)

PEDRO GUSTAVO
Você tinha uma irmã, num tinha?

LUÍS ELÁDIO
Não.

PEDRO GUSTAVO
Ah, acho que era o Bernardo...

LUÍS ELÁDIO
Que Bernardo? O filho do açougueiro?

PEDRO GUSTAVO
Sim, do seu Branco... O velho só vivia sujo de vermelho!
LUÍS ELÁDIO
(nostálgico)
Ela era muito bonita... A filha de seu Branco.

PEDRO GUSTAVO
(nostálgico)
Era...

LUÍS ELÁDIO
Só que não era pro nosso bico, lembra?

PEDRO GUSTAVO
Era... Quero dizer, não era. Uma garota e tanto... Quantos anos ela tinha, mesmo?

LUÍS ELÁDIO
Uns 30, acho...

PEDRO GUSTAVO & LUÍS ELÁDIO
Num era mesmo pro nosso bico!

(LUÍS ELÁDIO levanta-se e fica olhando pra PEDRO GUSTAVO)

LUÍS ELÁDIO
Você está bem...Muito bem...

PEDRO GUSTAVO
Você acha?

LUÍS ELÁDIO
An-han. Pro que você era...

PEDRO GUSTAVO
Também num exagera, porra...

LUÍS ELÁDIO
Só você achava que era um artista de cinema... Ah, magina!

PEDRO GUSTAVO
Artista de cinema é exagero da sua parte, mas eu era um sujeito bem parecido...

LUÍS ELÁDIO
(cortando e completando)
...com um feio!


PEDRO GUSTAVO
(roçando as unhas no peito)
Não era bem o que as meninas diziam...

LUÍS ELÁDIO
A quem?

PEDRO GUSTAVO
A quem o quê?

LUÍS ELÁDIO
A quem elas diziam que você não era um cara feio?

PEDRO GUSTAVO
Ei, eu também não perguntei o que você faz... O que é que você faz?

LUÍS ELÁDIO
Eu? Nada.

PEDRO GUSTAVO
Nada?!

LUÍS ELÁDIO
É, tô desempregado.

PEDRO GUSTAVO
Puxa! Lamento...
(refletindo)
É, a coisa num tá fácil. Tem um grande contingente de pessoas desempregadas poraí... Num sou o único.

LUÍS ELÁDIO
Mas parece que vai mudar...

PEDRO GUSTAVO
Espero que sim. Mas fora estar desempregado, o que você fazia, antes?

LUÍS ELÁDIO
Trabalhava.

PEDRO GUSTAVO
Trabalhava?!
(ironizando)
É mesmo? Sei.... Mas no quê, posso saber?

LUÍS ELÁDIO
Se você souber vai adiantar alguma coisa?

PEDRO GUSTAVO
Bem, acho que não... Talvez se você trabalhasse em alguma coisa relacionada à publicidade... Quem sabe...

LUÍS ELÁDIO
Pois num trabalho, não...
(pensativo)
Vinte e cinco...

(PEDRO GUSTAVO se levanta e fica em pé como LUÍS ELÁDIO)

PEDRO GUSTAVO
O que é que tem vinte e cinco?

LUÍS ELÁDIO
Na verdade, acho que eram vinte e oito...

PEDRO GUSTAVO
Vinte e oito?!

LUÍS ELÁDIO:
É, vinte e oito mangos, caro!

PEDRO GUSTAVO
Num tô entendendo...

LUÍS ELÁDIO
Você ficou me devendo vinte e oito mangos, meu chapa!

PEDRO GUSTAVO
Eu?!

LUÍS ELÁDIO
(tocando com o dedo no peito de PEDRO GUSTAVO)
Sim, vo-cê!

PEDRO GUSTAVO
Êpa, perai! Que história é essa?

LUÍS ELÁDIO
Lembra da vez que fomos praquele clube de campo? Eu, você, o Lindon, a Lindinalva, o Furlan, o Sérgio Cabeleira e o Wandilson?

PEDRO GUSTAVO
Não.

LUÍS ELÁDIO
Essa, não! De novo, cara! Num vai me dizer que você esqueceu aquele dia, em que o Wandilson quase se afogou para pegar o relógio dele no lago?

(PEDRO GUSTAVO fica andando de um lado pro outro tentando se lembrar)

PEDRO GUSTAVO
Acho que não...

LUÍS ELÁDIO
(decepcionado)
Eu não acredito. Que bela memória, hein?!

PEDRO GUSTAVO
Sério. Tô tentando puxar pela memória, mas nada...

LUÍS ELÁDIO
Então vê se você lembra a garrafada que o Furlan deu na cabeça daquele idiota que mijou na nossa toalha...

PEDRO GUSTAVO
Mijou na a nossa toalha?... Hummm...Ahh! E o Furlan foi embora antes que chamassem a polícia?

LUÍS ELÁDIO
(esperançoso)
Sim, lembra, lembra?

PEDRO GUSTAVO
Lembro.
(sério)
O que é que tem isso?

LUÍS ELÁDIO
Que é que tem isso? Você me pediu vinte e oito mangos, cara, pra pagar a sua parte na conta!

PEDRO GUSTAVO
Eu pedi, foi? Num lembro. Lamento, cara.



LUÍS ELÁDIO
Ah, deixa pra lá. Já fazem mais de 20... Ah, deixa como está.... A propósito, que tipo de publicidade você faz? Ganhou algum prêmio?

PEDRO GUSTAVO
Já, alguns.

LUÍS ELÁDIO
Legal. Isso te deu muito dinheiro?

PEDRO GUSTAVO
Nan, que isso... Apenas nome... Currículo, essas coisas.

LUÍS ELÁDIO
Ah, sei. Em outras palavras: sucesso, mulher, carrão...

PEDRO GUSTAVO
Nem tanto... Mas me conta, e depois que a turma se desfez o que é que aconteceu?

LUÍS ELÁDIO
Que turma?

PEDRO GUSTAVO
A nossa, ora!

LUÍS ELÁDIO
A nossa? Acho que você não era muito de ficar com a gente...

PEDRO GUSTAVO
Como assim?!

LUÍS ELÁDIO
Pelo que eu me lembro, você só vivia com aqueles seus amigos da universidade...

PEDRO GUSTAVO
Mas eles também eram meus amigos. Assim como vocês....

LUÍS ELÁDIO
Tá, bem. Vou fazer que acredito.

PEDRO GUSTAVO
Essa não. Qual é? Só porque eu vivia saindo com aqueles caras mais ricos que a gente?

LUÍS ELÁDIO
Num sei nada disso.

PEDRO GUSTAVO
Só se era... Quantas vezes a gente saia pras festas, enchia a cara e voltávamos juntos, bêbados e cantarolando pelas ruas até chegar em casa? Isso não vale?

LUÍS ELÁDIO
Vale. Foram muitas vezes.

PEDRO GUSTAVO
E então?

LUÍS ELÁDIO
Então, é que a turma te via como um metido. Só isso.

PEDRO GUSTAVO
Metido?!Era, mesmo?!
(se sentando decepcionado)
Eu não sabia... Puta merda, se eu soubesse...

LUÍS ELÁDIO
(se levantando)
Se você soubesse, fazia o quê? Deixava de falar com a gente? Evitava chegar quando o pessoal estivesse reunido? Ou quem sabe, arranjava um lugar pra morar sozinho na zona “chic” da cidade?

PEDRO GUSTAVO
Nada disso. Isso que você está falando é um absurdo. Eu queria bem a todo mundo, cara. Aliás, eu gostava mesmo era de estar com vocês, se quer saber. Até emprestava dinheiro. Eu pagava cigarro pra quem estivesse duro, lembra não?...

LUÍS ELÁDIO
(interrompendo)
Passando na cara, é? Eu sabia.

PEDRO GUSTAVO
Passando na cara, nada. Mas que merda, cara. Eu gostava de vocês, porra...

LUÍS ELÁDIO
Agora é fácil dizer...


PEDRO GUSTAVO
(se levantando)
Olha, aqui. Lembra quando daquela vez que o irmão do tal de Liberato... Você lembra do Liberato, não lembra?
LUÍS ELÁDIO
Liberato? Aquele que tinha um irmão metido com política?

PEDRO GUSTAVO
Esse mesmo! Pois quando... Como era mesmo o nome do irmão do Liberato? Lembra quando ele chegou naquela festa, no meio da madrugada pedindo arrêgo pra se esconder por uns dias...

LUÍS ELÁDIO
(completando)
...E que os homens do DOPS andavam na cola dele? Acho que era Olavo.

PEDRO GUSTAVO
Na bucha, meu amigo! Olavo! Pois, bem. Quem foi com ele praquela granja naquela mesma noite?

LUÍS ELÁDIO
Foi você?

(PEDRO GUSTAVO, com um sorriso largo no rosto, anda de um lado pro outro, orgulhoso)

LUÍS ELÁDIO
Puta que merda cara, sabe que eu não me lembrava quem tinha dado sumiço no Olavo...

PEDRO GUSTAVO
Ôpa, peraí! Quem deu sumiço no Olavo foram os homens do DOPS, porra! Que isso fique bem gravado na sua pouca memória, meu caro. Eu apenas ajudei o Olavo a sair da cidade por uns tempos, pra ver se a coisa esfriava pro lado dele. Só isso. Não dei sumiço em ninguém! Era mesmo o que me faltava!

LUÍS ELÁDIO
(insistindo)
Mas o Olavo sumiu...

PEDRO GUSTAVO
Porra, cara! Só depois é que o Olavo sumiu, e aí foi de verdade.


LUÍS ELÁDIO
Eu jurava que tinha sido daquela vez...


PEDRO GUSTAVO
Pois não foi não. Ele foi comigo pra granja e ficou por lá por uns três dias e só depois é que ele saiu e não deu mais notícias...

LUÍS ELÁDIO
Puta merda, e foi?

PEDRO GUSTAVO
Foi. O caseiro, na época, disse que ele saiu de lá sozinho e que ninguém estranho teve por lá. Olavo se mandou com as próprias pernas... O caseiro disse que ele deixou a granja bem cedinho, acho que umas cinco e meia da manhã, por aí...

LUÍS ELÁDIO
Como ele ficou lá três dias? Sem roupa... Essas coisas?

PEDRO GUSTAVO
Eu passei na casa dele e peguei umas camisetas, cuecas e calças, pasta de dente, escova, pus tudo dentro de uma mochila e levei pra ele...

LUÍS ELÁDIO
Mas quem te deu isso tudo, não perguntou pra que era? Foi o Liberato, não foi?

PEDRO GUSTAVO
Foi, mas Olavo não queria que o irmão soubesse onde ele estava...

LUÍS ELÁDIO
Porra, mas eles eram irmãos, cara!

PEDRO GUSTAVO
Eu sei, mas foi porque, caso o pegassem, ele não saberia onde o irmão estava de verdade... Simples!

LUÍS ELÁDIO
Então quando Liberato pediu para esconder o irmão, nunca soube pra onde você o tinha levado, foi isso?


PEDRO GUSTAVO
É, foi. E o Olavo me orientou pra não dar bandeira quando eu fosse buscar as roupas...

LUÍS ELÁDIO
...E os homens poderiam te seguir até a granja, certo?
PEDRO GUSTAVO
Exatamente. Eu tive várias vezes na casa de Liberato e a cada vez que eu saia, eu estava vestindo três camisetas, duas calças...

LUÍS ELÁDIO
Puta, que legal. Quer dizer que você vestiu as camisetas do Olavo por baixo da sua camisa e por baixo da sua calça?

PEDRO GUSTAVO
(imitando)
Eu parecia o Hulk, aquele sujeito verde... Só que tinha um problema...

LUÍS ELÁDIO
Qual?

PEDRO GUSTAVO
A calça dele ficava ruim de vestir por cima da minha.

LUÍS ELÁDIO
Como assim?

PEDRO GUSTAVO
É que as duas eram calças jeans bem apertadas e uma sobre a outra era duro de vestir...

LUÍS ELÁDIO
E aí, como você resolveu isso?

PEDRO GUSTAVO
Vesti só as jeans de Olavo. Aliás, elas ficavam bem em mim.

LUÍS ELÁDIO
E depois, voltava só de cuecas, é?

PEDRO GUSTAVO
Não, o caseiro arranjou uma bermuda pra mim. Era grande, mas foi a maneira que arranjei pra voltar pra casa, decentemente.


LUÍS ELÁDIO
(pensando)
Mas me diz uma coisa...

PEDRO GUSTAVO
O quê?

LUÍS ELÁDIO
E o caseiro, não perguntou quem era o Olavo?

PEDRO GUSTAVO
Perguntou e eu disse que era um amigo que estava fugindo...

LUÍS ELÁDIO
Porra, cara, você é doido! Você disse que ele estava fugindo?!

PEDRO GUSTAVO
Não, eu disse que ele estava fugindo de uma mulher chata, que estava enchendo o saco dele e calhou de o caseiro ter vivido um problema semelhante e aí, achou tudo muito normal...

LUÍS ELÁDIO
Ah, bom! Aí ele deu a maior força?

PEDRO GUSTAVO
Foi. E depois dos três dias, Olavo deu nas canelas?

LUÍS ELÁDIO
(refletindo)
Idiota, podia ter ficado por lá durante um bom tempo...

PEDRO GUSTAVO
Não por muito tempo, porque os donos da granja poderiam aparecer e começar a fazer perguntas...

LUÍS ELÁDIO
É verdade. Quer dizer que foi você que arranjou tudo?

PEDRO GUSTAVO
Foi.

LUÍS ELÁDIO
Muito bem. E ninguém mais soube de Olavo?


PEDRO GUSTAVO
Não. Liberato disse uma vez, que Olavo poderia ter sido pego, torturado e depois desovado em algum lugar desconhecido...

LUÍS ELÁDIO
Meu Deus!

PEDRO GUSTAVO
Mas depois disso, a família ouviu um comentário de alguém, dizendo que Olavo tinha saído do país com uma identidade falsa e que estava vivendo no estrangeiro, essas coisas.

LUÍS ELÁDIO
E nunca mandou dizer nada pra família?

PEDRO GUSTAVO
Pois é. Acho que ele morreu, mesmo. Coitada da família.

LUÍS ELÁDIO
Você teve mesmo coragem, né cara?

PEDRO GUSTAVO
Num sei, não sei foi coragem...

LUÍS ELÁDIO
Claro que foi. Se arriscar daquele jeito...

PEDRO GUSTAVO
É, talvez tenha sido, mas acho que foi um pouco de irresponsabilidade...

LUÍS ELÁDIO
Como assim?!

PEDRO GUSTAVO
Levar um cara fugido da repressão pra um lugar que não era meu. Comprometendo um monte de pessoas...

LUÍS ELÁDIO
Pensando bem...

PEDRO GUSTAVO
Vai que achassem Olavo lá na granja?

LUÍS ELÁDIO
Porra, é mesmo...

PEDRO GUSTAVO
Fodia com a vida dos donos da granja, o tio Haroldo, eu, o caseiro, o cacete que tivesse envolvido!

LUÍS ELÁDIO
Até eu, quem sabe?

PEDRO GUSTAVO
Você?! Por que você?

LUÍS ELÁDIO
Por que eu?

PEDRO GUSTAVO
É, por que você?

LUÍS ELÁDIO
Ora, porque eu era seu amigo.

(PEDRO GUSTAVO começa a rir)

LUÍS ELÁDIO
O que foi? Por que você está rindo, falei alguma piada?

PEDRO GUSTAVO
Desculpe, claro que você não falou nenhuma piada. É que achei engraçado o jeito de você falar...

LUÍS ELÁDIO
Por ser seu amigo?

PEDRO GUSTAVO
Não, o jeito...

LUÍS ELÁDIO
Jeito? Que jeito? Não, agora quero saber.

PEDRO GUSTAVO
Agora, fodeu! Ô rapaz, foi a maneira que você falou, ou seja, o jeito que você falou...

LUÍS ELÁDIO
(sério)
E como foi que eu falei pra ser tão engraçado assim?


PEDRO GUSTAVO
(tentando lembrar)
Como foi mesmo... Deixa eu ver...
(imitando)
”Porque eu era seu amigo”...

LUÍS ELÁDIO
E isso foi engraçado?

PEDRO GUSTAVO
Naquele momento, pra mim foi...

LUÍS ELÁDIO
Quero saber se “É” engraçado, não se “FOI”, engraçado... É engraçado...

PEDRO GUSTAVO
Agora assim, talvez não tenha mais graça nenhuma, mas na bucha, na resposta, foi sim, engraçado...

LUÍS ELÁDIO
Pois eu não achei graça nenhuma.

PEDRO GUSTAVO
Então tá. Esquece.

LUÍS ELÁDIO
É, é fácil falar depois que foi engraçado, se agora não tem mais graça...

PEDRO GUSTAVO
(achando esquisito)
O quê? Acho que esse papo tá ficando muito doidão!

LUÍS ELÁDIO
Doidão?

PEDRO GUSTAVO
É doidão. Maluco...

LUÍS ELÁDIO
(achando graça)
Doidão! Maluco!

(LUÍS ELÁDIO começa rir e PEDRO GUSTAVO fica a olhá-lo)


PEDRO GUSTAVO
Agora eu quero saber qual foi a graça... Qual foi a graça?

LUÍS ELÁDIO
Desculpe, cara, é que eu me lembrei do Lu Lafaiete...

PEDRO GUSTAVO
O que tem o Lu Lafaiete?


LUÍS ELÁDIO
(rir mais ainda)
Lu Lafaiete, falava muito: “Tô doidão”! “Tô é maluco, bicho! Lembra?

PEDRO GUSTAVO
Porra, cara, tu lembrou do Lu Lafaiete? Luís Lafaiete. O cara mais ligado que já vi...

(os dois começam a rir)

PEDRO GUSTAVO& LUÍS ELÁDIO
“Tô muito ligado, irmão!”

(os dois riem como se fossem crianças)

PEDRO GUSTAVO
Nossa, o cara era mesmo muito doido...

LUÍS ELÁDIO
E põe doido nisso. Lu Lafaete era pirado por natureza... Somado a isso...

PEDRO GUSTAVO
(completando)
...A quantidade de baseado que o cara fumava...

LUÍS ELÁDIO
(completando)
...E aí, o bicho saia fora de órbita.

PEDRO GUSTAVO
Que fim levou ele, hein? Você sabe?

LUÍS ELÁDIO
Não. Sei que ele e a mãe saíram do bairro depois que ela teve um troço, lá. Derrame, sei lá. Foi depois que vocês se mudaram do bairro.

PEDRO GUSTAVO
Pois é, Lu Lafaiete; doido e maconheiro, mas boa gente.

LUÍS ELÁDIO
É, mas os velhos não gostavam muito dele não...

PEDRO GUSTAVO
Também, a mãe vivia metendo o pau no próprio filho... Quando ela encontrava os nossos pais...”O Luis, é o meu karma!”...

LUÍS ELÁDIO
Grande figura o Lu... Tocava um violão de fazer inveja a qualquer “musicuzinho” por ai, hein? Lembra? Um Clapton da vida!

PEDRO GUSTAVO
Porra, cara. É verdade, o doido tocava pra cacete... Como é que eu esqueci isso, rapaz?!

LUÍS ELÁDIO
(nostálgico)
Pois é, cara, a gente às vezes esquece muitas coisas boas e só lembra das banais e ruins...

PEDRO GUSTAVO
(nostálgico)
É verdade.

LUÍS ELÁDIO
Sabe o que Lu Lafaiete me disse um dia, Pedro Gustavo?

PEDRO GUSTAVO
Não. O quê?

LUÍS ELÁDIO
Que ele queria ser indigenista.

PEDRO GUSTAVO
Indigenista? Essa não...

LUÍS ELÁDIO
Que coisa, né? Ele me disse que admirava muito o trabalho dos irmãos Vilas Boas. Ele queria ir para a Amazônia trabalhar com o pessoal que fazia a integração das nações indígenas com a nossa sociedade, essas coisas...

PEDRO GUSTAVO
Que interessante. Sabe que eu ouço muito pouco acerca dos jovens quererem trabalhar nesse campo?

LUÍS ELÁDIO
Eu também. Aliás, eu tive uma experiência muito engraçada...

PEDRO GUSTAVO
Com esse pessoal?

LUÍS ELÁDIO
Mais ou menos... É que eu me lembrei agora de um negócio...

PEDRO GUSTAVO
Fala.

LUÍS ELÁDIO
Teve um tempo, muito depois que todo o pessoal se separou que eu fiquei meio sem motivação com as coisas...

PEDRO GUSTAVO
Depressivo?

LUÍS ELÁDIO
Não era bem isso, acho que era mesmo enfadado com a mesmice de sempre, sabe aquela sensação de “déjàvu” todo santo dia?

PEDRO GUSTAVO
An-han.

LUÍS ELÁDIO
Pois bem. Não sei como aconteceu, mas eu dei de cara com um parente afastado de meu pai, que tinha um caminhão e também não sei como foi que pintou uma conversa entre ele e eu. Só sei que quando me dei conta, eu tava na boléia do Scania Vabis dele, indo em direção à Belém do Pará.

PEDRO GUSTAVO
Porra! Belém do Pará?


LUÍS ELÁDIO
An-han. Juntei uns trocados e ainda peguei mais algum com um tio e me mandei sem saber muito bem aonde queria ir. O caminhoneiro ia ficar em Belém, mas eu não sabia pra onde ir depois disso.

PEDRO GUSTAVO
(ansioso)
E o que aconteceu depois que chegaste a Belém?

LUÍS ELÁDIO
Fiquei lá só um dia e meio. Depois, esse mesmo caminhoneiro, me arranjou um trabalho na transportadora... Lá, onde ele deveria deixar a carga.

PEDRO GUSTAVO
Sei.

LUÍS ELÁDIO
Ele se chamava Tadeu.

PEDRO GUSTAVO
Sei, e depois?

LUÍS ELÁDIO
Bom, o trabalho era checar as cargas que chegavam. Vê se a papelada estava em ordem. Mas isso só agüentei fazer uns 5 dias. Era enfadonho demais. Ai, eu decidi ousar mais e arranjei um trabalho para ser acompanhante num caminhão que ia pra Guiana.

PEDRO GUSTAVO
Puta merda! Guiana?

LUÍS ELÁDIO
È, Suriname.

PEDRO GUSTAVO
Nossa! E aí?

LUÍS ELÁDIO
Pois bem. Acontece que esse caminhão tinha que parar antes da fronteira e carregar de novo. Só que nessa noite, o caminhoneiro me pediu pra eu ficar fora do trabalho de ajudar a carregar o caminhão. A princípio, estranhei, mas depois, eu disse, tudo bem, eu já havia trabalhado carregando o caminhão em Belém e já tava com parte da grana no bolso... Pra mim tava ótimo. Aceitei e fui tomar umas cervejas, enquanto ele tratava de descarregar e carregar o caminhão. Só que eu passei mal e voltei pra garagem onde o caminhão estava carregando. Rapaz, num é que eu tomei um baita dum susto com o que eu vi...

PEDRO GUSTAVO
Porra, cara. E o que tu viu?

LUÍS ELÁDIO
O caminhão era do tipo furgão, sabe como é. Fechado, só com uma entrada por trás. Rapaz, eu vi umas meninas subindo pra dentro do caminhão...


PEDRO GUSTAVO
(interrompendo)
Meninas?!

LUÍS ELÁDIO
Tinha de todo o tipo; de 13 a 17 anos, a maioria era do tipo índia...Tinha lá umas branquelas também...

PEDRO GUSTAVO
Puta merda, LUÍS ELÁDIO! Então era...

LUÍS ELÁDIO
(completando)
...Tráfico de escravas brancas, meu caro! Brancas e morenas!

PEDRO GUSTAVO
Rapaz, puta merda! Que barra, hein?! E o que aconteceu depois?

LUÍS ELÁDIO
Eu tentei voltar, mas o caminhoneiro me pegou.

PEDRO GUSTAVO
Putz!

LUÍS ELÁDIO
O sujeito era Chinês. E aí, eu tive que ir com ele me juntar ao grupo. O cara me fez prometer de pés juntos que eu não abriria a boca. Eu já podia prevê o que ia me acontecer... Mas aí, o sujeitinho me obrigou a acompanhar ele até o destino final, onde ele descarregaria a
(fazendo aspas)
“carga”.

PEDRO GUSTAVO
Puta merda, LUÍS ELÁDIO. Que experiência, hein!

LUÍS ELÁDIO
Pois foi, meu caro.

PEDRO GUSTAVO
E depois disso, o que aconteceu?

LUÍS ELÁDIO
Depois, eu fui com ele até o Suriname e por pouco não deram cabo de mim, rapaz. A minha sorte foi que o China gostou de mim desde o início e queria fazer uma sociedade, para se ver livre do chefe dele. Queria trabalhar por conta própria. Eu fingi que topava e na primeira oportunidade eu peguei uma carona de volta pra o Brasil, pra Manaus. Foi então que, quando cheguei lá, dei de cara com um grupo da Universidade do Amazonas. Eles tavam acabando de chegar de uma expedição. Foi então que eu me lembrei do Lu Lafaiete e o desejo dele de fazer parte de um grupo como aquele. Acho que pobre nunca teve essa chance...

PEDRO GUSTAVO
Olha, LUÍS ELÁDIO. Tô mesmo com inveja de você...

LUÍS ELÁDIO
Inveja, você? Um publicitário bem sucedido? Não acredito.

PEDRO GUSTAVO
É verdade. Eu gostaria de ter tido uma experiência dessa...

LUÍS ELÁDIO
Isso só acontece quando a gente se deixa levar pelo... Pelo vento, cara. Isso acontece também porque a gente não tá mais achando graça nenhuma na vidinha que a gente tá levando. Só isso.

(PEDRO GUSTAVO se senta no banco e fica pensativo)
LUÍS ELÁDIO
Aconteceu alguma coisa?

PEDRO GUSTAVO
Num sei não, mas algo me diz que eu ando achando a minha vida meio sem graça...

(LUÍS ELÁDIO se senta ao lado de PEDRO GUSTAVO)

LUÍS ELÁDIO
O quê?! Pelo que eu sempre soube, nada mais excitante que a vida dos publicitários, cara...

PEDRO GUSTAVO
Balela....
(reconsiderando)
Tá, ta certo. Às vezes, é muito excitante, mas às vezes é um pé no saco, também.

LUÍS ELÁDIO
Eu pensei...

PEDRO GUSTAVO
(interrompendo)
Que fosse só glamour? Essa é a idéia que as pessoas têm. Aliás, eu gosto de fazer publicidade. Foi a profissão que eu escolhi seguir. Mas como você mesmo me disse, chega uma hora que parece um “déjàvu” e aí é que o bicho pega, cara. Só que nos falta coragem pra decidir por outra coisa, ou até mesmo deixar que o vento nos leve a algum lugar, como você fez.

LUÍS ELÁDIO
É, mas quase tomei no...

PEDRO GUSTAVO
(cortando)
...Me diz uma coisa, hoje você faria isso outra vez?

LUÍS ELÁDIO
O quê? Ir de caminhão pro Suriname?

PEDRO GUSTAVO
Não! De se deixar levar e seja o que Deus quiser...

LUÍS ELÁDIO
Humm... Sabe que eu não saberia te dizer... Acho que não. Num sei, cara...
PEDRO GUSTAVO
(se levanta decidido)
Sabe de uma coisa? Vou fazer isso!

LUÍS ELÁDIO
Isso o quê?

PEDRO GUSTAVO
Vou pedir demissão da agência e pegar minhas coisas e sair com o carro por aí, meio sem rumo...

LUÍS ELÁDIO
Você é doido, é? Que maluquice é essa? Um cara bem sucedido; com um emprego certo, jogar tudo pro alto, assim, sem mais nem menos... Só porque ouviu uma história de um sujeito desempregado que experimentou uma loucura há alguns anos atrás... Você pirou e nem teve que cheirar, cara...

PEDRO GUSTAVO
Não, LUÍS ELÁDIO. Acho que você me iluminou a cuca. É isso. Você me fez me sentir um zero a esquerda com a vidinha que eu venho levando...

LUÍS ELÁDIO
Só por que te falei tudo aquilo?

PEDRO GUSTAVO
Não foi só tudo aquilo, foi a coragem de fazer o que o coração mandava...

LUÍS ELÁDIO
Mas não foi o coração, cara. Foi ao acaso. Como uma loteria. Você joga uns números e depois ver se deu... Só isso.

PEDRO GUSTAVO
Mas isso é que é o legal da vida, LUÍS ELÁDIO. Às vezes precisamos nos deixar levar. Quando ficamos controlando todos os nossos atos, tudo parece previsível e aí é que é a merda da coisa, cara.
(decepcionado)
Pelo que eu estou vendo você não aproveitou nada da experiência que teve...

LUÍS ELÁDIO
Esse sujeito pirou geral. Como é que eu posso ter experimentado algo de positivo quando por pouco não me mandaram pra baixo 7 palmos do chão – Isso é, se eu tivesse sido enterrado num cemitério – caso contrário, eu teria virado comida de jacaré! Pára com isso, cara. Esquece o que eu te falei. Volta pra terra, homem! Olha aqui, continua com o teu salário, que, aliás, deve ser uma baba – mantém a tua vidinha legal – carro, mulheres, vinhos caros, roupas de grife. Vai por mim... Já vistes o Washington Olivetto arrependido ou andando de mochila sem rumo por aí? Ou o Nizan Guanazes colhendo orquídeas selvagens numa floresta equatoriana?

PEDRO GUSTAVO
Realmente, você continua o mesmo LUÍS ELÁDIO... Não mudou em nada. Ou melhor, não aprendeu lhufas.

LUÍS ELÁDIO
Como eu não aprendi nada! Vocês que têm uma vida sem problemas são mesmos uns folgados...

PEDRO GUSTAVO
Folgados? Folgados uma porra, cara. Eu ralei pra cacete, antes de estar bem de vida, se quer saber...

LUÍS ELÁDIO
Ralou...
(imitando um Italiano)
Só se foi o queijo parmesão italiano na massa, acompanhado de vinho safra 65...

PEDRO GUSTAVO
Deixa de ser irônico, cara. Eu tava querendo dizer que você não aproveitou a experiência que teve...

LUÍS ELÁDIO
E o que essa porra acrescentou, hein? Agora diga o que acrescentou...

PEDRO GUSTAVO
E lá eu sei! Se você mesmo não sabe, magina eu que não te vejo há... Quantos anos mesmo?

LUÍS ELÁDIO
Vinte e poucos...

PEDRO GUSTAVO
Então, vinte e tantos anos... Quer saber de uma coisa? Vou sair dessa vidinha enfadonha. Tá decidido!

LUÍS ELÁDIO
Faça bom proveito... Essa é boa. É claro que quem não tem, ou tem muitas preocupações na vida, ou até mesmo, os que vivem regularmente numa vidinha sem muitas emoções, fiquem entusiasmados com um relato qualquer. Quer um conselho?

(silêncio)

LUÍS ELÁDIO
(continuando)
Vive a tua vida do jeito que tá, cara. Se tá boa, do ponto de vista do teu bem-estar, deixa assim. Não mexe em time que tá ganhando, rapaz. Olha, eu, por exemplo, tô desempregado. Sei que não é fácil viver procurando emprego, por aí. Mesmo assim, eu me sinto tranqüilo, do ponto de vista da vida, pois sei que logo que pintar um emprego eu vou me sentir feliz. Vou comemorar, mas isso pode ser por pouco tempo e o pior é que eu não sei. Portanto, segura a tua onda e deixa dessa coisa de jogar tudo pro alto, pois quando isso cai é bem na nossa cabeça, cara.

PEDRO GUSTAVO
Agora você me confundiu...

LUÍS ELÁDIO
Eu?

PEDRO GUSTAVO
É. Me deixou confuso.

LUÍS ELÁDIO
Isso me lembrou a Virgínia.

PEDRO GUSTAVO
Que Virgínia?!

LUÍS ELÁDIO
Uma garota que ando comendo...

PEDRO GUSTAVO
Virgínia de quê?

LUÍS ELÁDIO
De quê o quê?

PEDRO GUSTAVO
O sobrenome dela...
LUÍS ELÁDIO
Ah, num sei não.

PEDRO GUSTAVO
Como ela é?

LUÍS ELÁDIO
Como assim, como ela é?

PEDRO GUSTAVO
Puta que pariu, cara! O tipo dela, porra! Se é morena, loira, ruiva, negra, Albina, oriental o caralho, porra!

LUÍS ELÁDIO
Você está um pouco estressado. Tenha calma, rapaz.


PEDRO GUSTAVO
Eu tô tendo...

LUÍS ELÁDIO
(interrompendo)
Tá se vendo...

PEDRO GUSTAVO
Lá vem você com essa porra de ironia...

LUÍS ELÁDIO
Continue, rapaz. Continue...

PEDRO GUSTAVO
EU?! Porra cara, você é que tem que continuar! Você é que tava falando de uma certa Virgínia que você anda comendo...

LUÍS ELÁDIO
Ah... Pois bem, ela é uma maravilha...

PEDRO GUSTAVO
Posso fazer uma perguntinha, só? Posso?

LUÍS ELÁDIO
Claro. Manda.

PEDRO GUSTAVO
(como se falasse para uma criança)
Qual era o tipo da garota? Lembra dos exemplos que acabei de lhe falar? Loira? Negra? An? Qual?
LUÍS ELÁDIO
Ah, claro. Ela é loira...

PEDRO GUSTAVO
(aliviado)
Ah, bom.

LUÍS ELÁDIO
Mas ela é loira do tipo Táxi argentino...

PEDRO GUSTAVO
Táxi argentino?!

LUÍS ELÁDIO
É, amarelo em cima e preto em baixo, porra!

PEDRO GUSTAVO
Então, ela não era loira de verdade?

LUÍS ELÁDIO
Não. Claro, que não.

PEDRO GUSTAVO: E ela faz o que, por exemplo? Qual a profissão dela?

LUÍS ELÁDIO
(pensando)
Humm... Agora danou! Esse cara pensa que eu sou do senso... Eu só como a garota, cara. Sei lá o que ela faz...
(lembrando de algo)
Ah...

PEDRO GUSTAVO
(ansioso)
O quê, o quê?

LUÍS ELÁDIO
Acho que ela trabalha numa rádio... Não, ela trabalha na TV. É isso. Numa TV!

PEDRO GUSTAVO
(ficando mais ansioso e um pouco sério)
Agora posso saber em que TV ela trabalha?

LUÍS ELÁDIO
Mas que porra é essa, cara? Virou o homem do senso, foi? Porra, quantas perguntas por causa de uma merda de uma garota que gosta de dar pra um bando de caras por aí...

PEDRO GUSTAVO
Cara, eu só estou querendo saber de umas coisinhas, é só.
(irritado e perdendo as estribeiras)
EM QUE PORRA DE TV ESSA MERDA DE GAROTA DISSE QUE TRABALHAVA?!

(LUÍS ELÁDIO olha pra PEDRO GUSTAVO de cima a baixo estranhando o seu descontrole repentino)

PEDRO GUSTAVO
(se controlando)
Tá, ta, ta, desculpe. Desculpe!
(respirando fundo)
Não era essa a minha intenção...

LUÍS ELÁDIO
Porra, cara. Te cuida. Com essa adrenalina toda, tu pode se dar mal... Que porra de tanta curiosidade sobre uma garota que nem você conhece?

PEDRO GUSTAVO
Eh... Eu só tava querendo saber se ela é, quer dizer, era...

LUÍS ELÁDIO
Era?

PEDRO GUSTAVO
(um tanto tímido)
Era...Uma pessoa que eu conheço. É só.

LUÍS ELÁDIO
Que você conhece?

PEDRO GUSTAVO
É.

LUÍS ELÁDIO
E ela trabalha num TV?

PEDRO GUSTAVO
É.

LUÍS ELÁDIO
E qual é a TV que ela trabalha?

PEDRO GUSTAVO
É melhor deixar isso pra lá...

LUÍS ELÁDIO
Como deixar isso pra lá? Agora quero saber em que TV essa garota trabalha?

PEDRO GUSTAVO
Pois agora eu não falo.

LUÍS ELÁDIO
(exaltado)
PORRA, CARA, TÁ IMPLICANDO COMIGO, É?

PEDRO GUSTAVO
Ei, cara. Desse jeito tu podes ter um derrame... Calma!

LUÍS ELÁDIO
Isso é bem do tipo de quem quer fazer gracinha com gente desempregada... Gostam de pisar, tripudiar, massacrar...

PEDRO GUSTAVO
Ei, cara, que recalque é esse?! Eu acabei de te elogiar, porque tu tiveste coragem de sair da mesmice e enfrentar os perigos do mundo e agora tu vens com essa de retardado infeliz?!

LUÍS ELÁDIO
Retardado infeliz é a puta que te pariu!

PEDRO GUSTAVO
Olha, aqui, porra. Vê se mede as palavras, tá legal? Tu pensas que ainda sou aquele idiota que pagava cigarros pros carinhas liso da rua, é?!

LUÍS ELÁDIO
Eu falei que ele só apareceu aqui para passar na cara essas merdas...

PEDRO GUSTAVO
Eu, passar na cara? Essa agora é muito boa... Sabe de uma coisa?


LUÍS ELÁDIO
Não.

PEDRO GUSTAVO
Pra mim, chega. Foi legal te encontrar...

LUÍS ELÁDIO
Pra mim também chega, sabia? Mas mesmo assim, foi também legal te encontrar.

(os dois vão saindo, cada um pra um lado quando decidem voltar e ficar frente a frente)

LUÍS ELÁDIO & PEDRO GUSTAVO
A gente tava falando da mesma Virgínia?

(eles ficam em silêncio, frente a frente e nenhum dos dois responde)

LUÍS ELÁDIO
Êta, mulher boa de cama!

PEDRO GUSTAVO
Aqui pra nós, ela é mesmo boa de boca, isso sim...

LUÍS ELÁDIO
Põe boca nisso, rapaz...

PEDRO GUSTAVO
Você não tava indo mesmo pra uma reunião?

LUÍS ELÁDIO
Tava... Tava nada! Só se fosse pra reunião dos desempregados! E tu não estavas indo também pra uma?

PEDRO GUSTAVO
(sorrindo)
An-han, mas era de verdade!
(checando o relógio)
Mas a essa altura já foi pro brejo... Foda-se! Mas me conta, a “tua” Virgínia faz também... Sabe como é.... “From behind”?

LUÍS ELÁDIO
Claro, e como ela sabe fazer, rapaz!!!

PEDRO GUSTAVO
Agora, aqui pra nós, não dá pra me dizer em que TV...
(LUÍS ELÁDIO olha-o com cara de censura)

PEDRO GUSTAVO
(continuando)
Deixa isso pra lá...

LUÍS ELÁDIO
Vamos beber uma geladinha? Aliás, vinte e oito mangos hoje quanto vale?

PEDRO GUSTAVO
Num sei de onde tu tiraste esse vinte e oito mangos?!


LUÍS ELÁDIO
Não desconversa!

PEDRO GUSTAVO
A Virgínia... Tava com ciúmes, né?

LUÍS ELÁDIO

Eu? Magina...

(os dois continuam confabulando, enquanto saem de cena)


AS CORTINAS SE FECHAM

sábado, 13 de junho de 2009

E aí, como vai?




















Aguardem! Como já mencionei, logo que eu possa, estarei postando um texto para teatro que tem o título E AÍ, COMO VAÍ.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Dramaturgia à vista!



























Esta semana resolvi mandar para o meu amigo jornalista, poeta e cronista, Felipe Damo, um texto que escrevi para teatro, para que ele o resenhasse.

O texto intitulado “E aí, como vai?”, fala do encontro de dois amigos que não se vêem há mais ou menos 20 anos e que, no pouco tempo de que os dois dispõem, aproveitam para colocar em dia o que deixaram pra trás, mostrando, entre um assunto e outro, que não perderam o jeito de machões.

Estou pensando em postar esse texto aqui no meu blog logo que receber a resenha de Damo. Pretendo postá-lo em etapas, já que o mesmo é um tanto longo. Acredito que a resenha irá ajudar na compreensão do mesmo.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Filosofia sempre agrega, engorda os conhecimentos e faz crescer a alma!













LUC FERRY

Por Carol Teixeira

"Na correria da última semana, acabei esquecendo de comentar uma coisa incrível: a palestra do filósofo francês Luc Ferry. Ela fez parte da primeira edição do ciclo de palestras Fonteiras do Pensamento, que trouxe, em 2007 e 2008, diversos pensadores para conferências na cidade. Eu, claro, era presença mega assídua nos dois anos, mas tinha perdido justamente essa, a do Luc Ferry, filósofo que admiro muito por conseguir trazer a filosofia para os “não-iniciados” de uma forma acessível e ao mesmo tempo nada banalizada (Falei um pouco sobre isso em um post antigo, o título é "A felicidade, desesperadamente". Dêem um search aqui no site: http://www.carolteixeira.com.br/index.php?secao=blog)

Mas então fiquei sabendo, há algumas semanas atrás, desse novo projeto que estava rolando no Studio Clio, que consistia na transmissão de algumas palestras do ciclo, seguidas de um debate ministrado pelo Juremir Machado da Silva (meu amigo, que eu considero o intelectual mais foda dessa cidade, e que escreveu a orelha do meu livro “Verdades & Mentiras”). A primeira palestra foi justamente essa que eu tinha perdido.

Luc Ferry é O cara.

Saí de lá extasiada, a cabeça a mil, daquele jeito que eu amo ficar. Deu saudade das aulas de filosofia.

Ele tem uma visão muito interessante sobre certos assuntos. Para ele a filosofia não é, como muito dizem, a arte de questionar. Todo sistema filosófico tem como objetivo dar respostas, é isso que tentam todos os filósofos, logo toda filosofia tem como objetivo ser uma doutrina de salvação – uma doutrina de salvação sem Deus. E é aí que ela se diferencia positivamente do cristianismo e vira o melhor instrumento de compreensão do mundo e do ser humano – por pretender dar respostas através da razão e não da duvidosa fé.

Ele também falou sobre as duas grandes questões de infelicidade do ser humano: o passado e o futuro. Todas as nossas tormentas vem dessas duas coisas justamente porque elas não existem, são irreais. O passado já passou e o futuro ainda não chegou. A única coisa que temos de REAL é o presente. Parece óbvio, mas esquecemos disso o tempo todo. Daí vem todas as ansiedades que atormentam, atrapalham nosso sono, atrapalham nossas vidas – dessas duas irrealidades. E nesse ponto há uma visão que fecha com o budismo, e ele comenta isso. Por esse motivo eu sempre achei essa religião, quer dizer, essa filosofia (pois o budismo está um degrau acima das religiões que prescindem da razão) muito interessante.

Enfim, eu poderia ficar horas aqui escrevendo sobre o que ele disse, mas não seria a mesma coisa. Eu sugiro livro “Fronteiras do Pensamento: Retratos de um Mundo Complexo” (editora Unisinos), que consiste nas transcrições de todas as conferências proferidas na edição de 2007, entre elas a do Luc Ferry, da Camille Paglia, Michel Maffesoli , Pierre Levy e outras figuras interessantíssimas. Organização do Juremir. Super vale a pena."

02/06/2009 23:48:00